26 março 2005

Sobre a Arte

Sobre a Arte

Uma definição muito precisa e simples para responder a pergunta “o que é arte?” poderia ser: “a arte é a intenção da beleza”.
Não se está, assim, avaliando-a. Apenas definindo-a.
Isso porque uma mesma “arte” – ou em melhores termos, uma mesma “obra-de-arte” – que é a sua forma de expressão – pode ser avaliada por diferentes paladares, de diferentes apreciadores.
Note-se aqui outro ponto importante: a “arte” é tão só a intenção! Se alguém apenas tentar, por mais que não tenha conseguido, realizar a beleza: isso é arte. Até porque a “beleza” é uma noção subjetiva, e pode variar de um a outro observador.
E mais, a arte não é a “obra”. Essa última constitui-se apenas no meio pela qual a arte – a intenção da beleza – torna-se expressa, aparente, perceptível. No entanto, a arte está apenas na intenção.
E antes que levantem-se críticas quanto a noção de “beleza”, consideremos aqui uma noção ampla em que se trate tão somente de um sinônimo para a “busca pela emoção”, ou "somatização de alguma emoção" – incluindo portanto a "feiura", a "surpresa" e outras tantas emoções.
A “arte” pode aparecer em tudo, com maior ou menor intensidade. Da mesma forma, uma “obra-de-arte” também é composta por arte, mas não apenas dela... Uma obra-de-arte pode conter outros elementos adicionais à arte. Explica-se:
Pode haver arte numa fórmula matemática, onde esforçadamente o matemático tenha buscado uma solução elegante a um problema – ele intencionalmente buscou beleza na sua solução.
Pode haver arte na obra-de-arte também (aliás, é onde mais se espera encontrá-la!). Mas na obra-de-arte também pode haver filosofia, quando se toca um tema polêmico, por exemplo. Numa obra-de-arte também pode haver ciência e técnica: um prédio arquitetônico pode possuir beleza artística (intencional), mas também possui uma organização funcional, e é projetado técnicamente. A fórmula matemática citada anteriormente também demonstra uma parcela de técnica – afinal, é matemática! ...Apenas que, talvez, a componente técnica na fórmula matemática possa ser muito mais relevante para a obra matemática que a sua componente artística. Da mesma forma que se espera que a componente artística de uma “obra-de-arte” seja muito mais relevante que qualquer outra das suas possíveis componentes.
O importante é notar que qualquer “obra” genérica – artísitica ou não – possui diversas “componentes”, sejam elas componentes técnicas, filosóficas, inovativas, de beleza, etc... e até mesmo artísticas (se a beleza for intencional)!
Nesse contexto, uma “obra-de-arte” é tão só "a" das obras que intenciona uma maior ênfase na componente artística – mas não que se desfaça das suas demais componentes.
Outro ponto de vista a detalhar é no que toca à “intenção”. Há diversas coisas “belas” no mundo, embora nem todas sejam intencionais. Uma flor pode ser bela, mas não é “arte” – ninguém propositadamente a fez, ela surgiu naturalmente. Uma “mancha” pode ser bela, mas não intencional, e sendo obra do acaso, não é arte. Entretanto a mesma “mancha” pode ser não tão bela assim, mas intencionalmente realizada por um artista – e dessa forma, já que houve a intenção, é arte sim, ainda embora a beleza possa não ter sido tão bem alcançada.
A arte é proposital.
Então, qualquer obra genérica possui diversas “componentes”. Inclusive “beleza”. Em maior ou menor grau. No entanto, a beleza por si só não é arte. A arte é a beleza propositadamente almejada. Relembrando, por cuidado: beleza no contexto que aqui se utiliza não significa necessariamente ser “bonito”, pode ser uma “feiura” intencional também, que é válida – desde que a feiura seja intencional, e não obra da incapacidade do artista, ou do acaso; a beleza aqui é a busca da somatização de uma emoção qualquer.
Logo, do conjunto de todas as obras, na qual se incluem as obras naturais e os acasos também, apenas o subconjunto das obras intencionais contém as obras capazes de possuir uma componente “artística”.
Assim sendo, pode-se agora tentar avaliar as “artes” e também as “obras-de-arte” – que são entre si noções muito distintas. Mesmo que a idéia de “avaliação” possua uma subjetividade implícita e fundamental, ainda assim, com as definições claras de “arte” e “obra-de-arte”, é possível aplicá-la.
Como é subjetiva, pode ser que a avaliação não seja aplicada de maneira uniforme e igualitária por todos os observadores, mas pode ser definida e fundamentada – na medida em que, ainda que os avaliadores discordem das “graus”, concordem nos conceitos e métodos de avaliação.
Ao se avaliar exclusivamente a “arte”, o avaliador deve buscar em sua própria subjetividade o quão “bela” a obra lhe parece, além de cuidar para perceber se essa beleza possui sua intenção de ser. Diferentes avaliadores discordarão quanto aos graus de beleza atribuídos. No entanto, arte é tão somente isso: havendo uma intenção de beleza, quão profundamente essa beleza toca o seu apreciador? E quão mais "bela" essa intenção parecer ao observador, tão mais notável e poderosa é essa arte!
Dessa forma um orginal de Michelangelo pode não diferir muito, artisticamente, de uma cópia barata em um pôster. Essas duas “obras” sim (o original e o pôster), diferem – no sentido de que a obra de Michelangelo foi apenas uma só, e possui, senão outros componentes, ao menos os componentes da originalidade, do valor histórico, da exclusividade e da antigüidade – que não existem no pôster. Mas no componente artístico são iguais – afinal um é cópia do outro. Talvez não sejam tão iguais, já que a qualidade do papel pode influir na noção de beleza percebida pelo observador – e nesse sentido é capaz de o pôster ser considerado até mesmo mais belo que o original..! Os componentes de originalidade, valor histórico, exlusividade e outros, são os que atribuem à obra original um maior valor que ao pôster (por exemplo, os pôsters não são nada exclusivos!). Mas atribuem valor diferente à obra, não à arte, já que em ambos os casos a arte é a mesma.
E assim, compreendendo-se esses conceitos, pode-se avaliar a obra-de-arte. Pode haver nas obras-de-arte diversas componentes além da artística: em Guernica, de Picasso, há uma forte componente chocante e filosófica, introspectiva, polêmica (ela fala sobre as atrocidades da guerra!). No entando, é de mesma intensidade bela, para a maioria das pessoas. Um criança que desconhece a história não irá compreender essa componente filosófica – mas irá compreender a beleza! Há arte de qualidade em Picasso. Embora a técnica de Picasso possa ter sido copiada, suas obras possuem a componente de originalidade – que os copiadores, por definição, não possuem. E assim, suas obras possuem um valor histórico maior. Mas não necessariamente pela beleza artística, ainda que na maioria dos casos. Pode muito bem haver copiadores de sua técnica que possuam obras menos valiosas, mas de componente artístico muito maior... Basta que essa obra pareça aos olhos do observador mais bela que as obras de Picasso! E assim, teoricamente, pode-se ter ao mesmo tempo uma obra com menos valor, mas com força artística muito maior que a obra valiosa.
A arte toca a resposta imediata do cérebro, emocional, que julga em sentido binário (bom/ruim). A instrospecção, ainda que possa estar no escopo da obra-de-arte, foge ao escopo da arte em si. A introspecção é racional, filosófica.
E aí se chega ao ponto: na intenção de romper padrões - de chamar a atenção, de chocar - muitas das obras de arte modernas e contemporâneas possuem fortes componentes de inovacionismo e filosofia – mas muito pouco componente de beleza. E menos ainda de componente artístico – que é quando a beleza existente é intencional. Muitas das obras de arte modernas devem sua beleza ao acaso – o que não é uma beleza artística. E muitas das obras-de-arte modernas tem em seu foco uma intenção introspectiva, e não uma intenção emocional.
Tem-se dado pouquíssima ênfase no componente artístico de certas obras, e muito mais ênfase nas demais componentes...
Poderiam citar Pollock, e dizer que seus respingos utilizam o acaso. É verdade. No entando, o "acaso", neste caso, foi utilizado de uma forma proposital, com a intenção de se buscar a beleza – e tão somente ela – e possui portanto um componente artístico muito grande.
A arte pode ser simples. Basta ser bela e intencional. As grandes obras-de-arte são além de tudo algumas vezes complexas, inovadoras, etc (que é o que diferencia as capacidades dos gênios das capacidades das pessoas mais comuns), e são valiosas e exclusivas por esses sentidos. Mas ao se considerar a arte, aprecie-a restritamente. Aprecie a arte, e não a obra. Embora "avalie" a obra, e não a arte.
Para a arte, não importa se é uma cópia, se uma criança ou um artista sem renome a traduziu em obra, ou se não possui um “significado”... Só importa se é "bela", e que foi essa a intenção de alguém.
As obras também são importantes, mas por outros sentidos. A arte é muito mais universal e simples do que as obras.
Em geral, ultimamente temos sofrido uma invasão de “obras-de-arte filosóficas”, mas de componente artísitico muito fraco. Se a obra é “de-arte”, a arte deveria ser o seu componente de maior importância. ...Ou então que se chame de “obra-de-filosofia” – pois os filósofos bem podem trocar sua usual forma de expressão, comumente um livro, por uma escultura ou uma tela (esculturas e telas não são propriedades exclusivas de artistas!).
Nada impede que um artísta tenha um papel social ou que seja também um filósofo. Mas essas são áreas diferentes. Mesmo que queira filosofar, é bom que o artista, quando em seu papel de artista, não se esqueça de fazer arte.

-- João Otero – 26-mar-2005 --