17 dezembro 2009

O jeito errado

Não consegui extravasar o tanto de emoção que eu senti
entre a doçura e a aspereza
da minha infância e do destino que me tem incerto.

Não consegui desvencilhar-me da certeza
que desviar-me da pureza é o jeito certo de prosseguir atrapalhado.

E por mais que todos tenham me falado
que o coração é o caminho acertado,
olho pra ele - e ele apertado, agarrando-se nuns minutos vagos dum presente misturado em uns muitos sonhos -
e vendo ao lado que nessa estrada restaram só alguns poucos desgarrados
- heróis minguados, já costurando suas chagas -
não consegui extravasar do jeito certo
a costumeira incerteza diária e companheira
do meu marasmo e das besteiras que eu não fiz.

E o jeito errado de seguir do jeito certo,
talvez um dia isso me seja revelado
na orelha dum livro, num acorde, num suspiro gritado...

E porquanto sendo ignorante, fazendo certo, seguindo parado,
não consegui extravasar-me da angústia,
de nesta minha meia-vida
- ainda -
não conseguir ter feito nada certo
nem nada errado.

-- João Otero - 17-dez-09 --

01 dezembro 2009

Obra-prima

Teus retorces; obra-prima do meu gozo!
Em consentidos arranhos nas ancas e sôfregos suspiros de inclemente agonia,
Na escalada ansiosa ante o abismo sem-volta do regozijo - e da revolta - que eu sentia...
Tu, três vezes mais te contorcias
E eu, dopado de alegrias breves mais tardias,
Não antevia o grande nojo, que se estanca, mas que derrama - ah! se derrama, um dia...

E nestas tintas sangradas das telas de minhas retinas
Guardarei teu semblante apertado, o teu batom vermelho borrado, a tua boca suculenta mordida...
Tuas pernas tremulando atravessadas, teu cabelo crespo esparramado e a tua mão entreaberta, estendida.

E deste embate enegrecido e retalhado és meu despojo;
Tu, suprema obra-prima do meu nojo,
Retorce entorpecido da minha vida!

-- João Otero - 28/29-nov-09 --

Não quero mais

Terminar é o que eu mais sei na minha vida
Terminar, não concluir;
Terminar assim, sem o por-vir
É o que mais tenho feito nesta vida

Eu sei deixar aberta minha ferida
Eu sei voltar de um beco-sem-saída
Com um passo nem tão calmo, mas nem manco
E quando se me dá em solavanco minha partida,
Percebo que minha alma, ressentida,
Se apega outra vez num sopro franco...

Terminar é o que eu mais fiz durante a vida
Terminar, não concluir;
Terminar sem mais, com dor, sem rir...
"Não quero mais" - hei de mentir
Terminar, talvez, pra não sentir
Minha parca esperança iludida

-- João Otero - 19-nov-09 --

Analgésico

Escrever poesia me tem efeito analgésico... Nem te odeio mais!

Sério

Todas as vezes que fiquei sério na vida, é porque noutra vida - mais interna - me doíam uns amores.

-- João Otero - 18-mai-09 --

Para dizer

Requer-se algum sobejo de sensibilidade alheia para que se possa dizer alguma coisa linda,
...ou alguma coisa extremamente feia.

-- João Otero - 22-nov-09 --

Poesia a ti

É, eu acho que gosto mesmo de ti...
Me atraquei a ser poeta como nunca vi!

...Eu já penso-poesia quando penso-em-ti!

-- Joao Otero - 5-nov-09 --

Rio de Janeiro

Fui passsear na bahia
Me disseram que era Rio de Janeiro
Olhei por lado e só vi praia
Não vi o rio;
E é inverno - estamos em julho!
...ou será que é janeiro?

-- João Otero - 1-ago-09 --

Hóspede

Surgiu sem ser esperado
Chegou sem ser anunciado
Entrou sem ser convidado

Ficou um pouco e bagunçou tudo..

Saiu sem deixar vestígio
Partiu sem nenhum motivo
Sumiu sem ser perturbado

Passou...
mas deixou um vício

-- João Otero - 4-nov-09 --

Na Queda

Se soprarem novos ares...que venham!
Rasgando meu rosto aos uivos, e que tenham
Dó, raiva e desgosto
Elevando minhas asas ao céu, pra eu cair de mais alto!

E que me sinta na queda
Sorver sua carícia fugaz
Gostando do medo que faz
O gélido frio do salto

Pois o que leva, um dia traz...
A emoção contrária da queda
na dura face da pedra,
a qual um dia beijei

No frio de uma dor assaz
Vivi a vida que fiz
Onde jamais alguém quis,
Um dia estive
e voltei!

-- João Otero - 1-mai-03 --