28 julho 2011

música: Teu herói

Teu herói

eu queria poder te embalar
numa nota alegre, todo dia
eu queria fazer versos de criança
imaginando
como será a vida

eu queria poder fingir que não cresci
e sair piruetando
por aí

mas não cabe, meu nenêm,
muito mais de fantasia
quando a noite é fria
e o dia vem

eu queria te dizer que a matemática
e que todas as coisas têm sentido
e que brincar com fogo é pura mágica
e que brincar no mar não tem perigo

mas eu preciso te dizer que a saudade dói
e que eu queria poder ser teu herói
pra te dar a mão
te proteger das armadilhas
do teu coração
...pois eu sei que elas vêm
(mas também passam como um trem)

    só sei que eu vou te ver
    eu vou te ver
    mesmo que passe um tempo
    longe de você
    eu sei que eu vou te ver
    eu vou te ver
    mesmo que caia o mundo
    eu vou ir te ver

eu queria te dizer que beterraba é bom
e que você nunca irá desafinar o tom
eu queria te dizer que não engorda o chocolate
e que não morde mesmo o cão que late
...mas não posso ignorar o pára-brisa
balançando essa chuva
neste dia cinza
...quando você crescer
você vai me entender

    só sei que eu vou te ver
    eu vou te ver
    mesmo que passe um tempo
    longe de você
    eu sei que eu vou te ver
    eu vou te ver
    mesmo que caia o mundo
    eu vou ir te ver

e se acaso a professora te aborreça
eu queria te contar que ela é besta
mesmo que um dia você cresça
e que mudem as vontades na cabeça
não se esqueça de ser você
nunca desapareça
meu bebê

    só sei que eu vou te ver
    eu vou te ver
    mesmo que passe um tempo
    longe de você
    eu sei que eu vou te ver
    eu vou te ver
    mesmo no fim do mundo
    eu vou ir te ver

-- João Otero - 27-jul-2011 - pelos meus 31 anos, para minha sobrinha Valentina --

20 julho 2011

Minha Voz - outra versão

Minha Voz - outra versão

minha voz
fala em gestos, embalada
num compasso triste
como se comendo alpiste
grão por grão

minha voz
tem a garganta machucada
de ajoelhar-se dia a dia
na costumeira agonia
da mesma lição

-- João Otero 19-20/jul/2011  --

Comemoremos

comemoremos
os remos que levam a vida
como morremos
comemoremos
os vermes que comem
oremos

-- João Otero - 20-jul-2011 --

19 julho 2011

How should the sound have been
if from the skin you cut
there was no other but
your very own blood?

-- João Otero - 19-jul-2011 --
minha voz
se embala em gestos
num compasso triste
como se comendo alpiste
grão por grão

-- João Otero - 19-jul-2011 --

18 julho 2011

Adiante



quero da minha vida
    que passe um segundo adiante
    e que desta hora, irradiante
        se derrame pelo tempo
        deixando atrás o momento
            que pensei ter visto
            como artefato bem-quisto           
                de um futuro que aguardava
                e que agora, com uma clava
me fere o peito.


-- João Otero - 18-jul-2011 --

17 julho 2011

Para lembrar de não ser idiota

Para lembrar de não ser idiota.

A luz é fraca, quase negra, não ilumina. E piscou um pouco até que parou.
Pela fresta da janela eu vejo as folhas de uma árvore balançando ao vento desta noite acinzentada. Garoou o dia inteiro...
De fundo, eu ouço um jazz bem brasileiro na voz dôce de uma negra. Negra como este escuro em que estou. Ouvindo o barulho de água roçando no brasilite.
Não; não é da chuva lá fora. Sou eu, sozinho aqui neste escuro, tentado - bêbado - acertar o mijo no lugar que lhe pertence.
Mijo, sim. Sem vergonha. Por que eu haveria de ter?! Todos mijam... Eu inclusive.
Vergonha, não: há de se guardar o pudor para coisas mais nojentas. Como a burrice, por exemplo. Como a minha burrice...
Que eu tento exorcizar nesse mijo. Que eu tento exorcizar nestas palavras.
Pois no banheiro fedorento de um bar de jazz só se chega depois de algumas cervejas.
No meu caso, ainda somente após confundir a porta da cozinha com porta de banheiro por duas vezes - até entender que, não, não é um mijão eterno preso na portinhola; e sim o cozinheiro. A porta do banheiro é a do outro lado. Mas porra de arquiteto, também!, que pôs a placa do banheiro antes das duas portas.
No meu caso ainda, só depois de muitas cervejas. A ponto de confundir a porta da cozinha com a porta do banheiro duas vezes. Mas acho que já disse isso...
E este jazz, neste bar, é somente a chave dourada para encerrar o meu dia cinzento. Moroso. Chato pra cacete! - se querem mesmo saber.
O dia em que tudo deu errado.
Desde meus times perderem, a mesa do bar quebrar, o pedido ser entregue errado, perder a ex-futura-quase-namorada.
...É, teve essa parte também neste dia.
Teria, por acaso, outro motivo mais nobre para se mijar ao som dum jazz?!
Eu sempre tive uma certa melancolia intrínsica em mim mesmo. E às vezes ela aflora. Se solidão, se pressentimento ou se apenas efeito do Fernando Pessoa a altas horas da madrugada, não sei. Só sei que ela aflora.
E nessas horas, minha cabeça vira um lixo. Junta as peças, conjetura tudo. E invariavelmente conclui que a vida é uma merda.
E em dias como hoje, a vida é realmente essa merda.
Porque não há espaço - parece-me - aos ingênuos, aos sinceros; aos idiotas, em suma, como eu. E por menos ingênuo que eu seja, nessas situações sou um completo idiota.
Porque qual o sonhador que não é idiota? Qual o idealista que não é idiota? Quem, em santa inteligência, acreditaria que as coisas são realmente simples, que tudo é possível, que a distância entre dois amantes separados por mil quilômetros é apenas a largura de um avião, que pelo computador se pode conhecer a pessoa de nossas vidas? Quem em santa inteligência acreditaria que meses de conversa e o som da voz no telefone, e um café ou dois, e umas voltas de carro bastariam para conhecer alguém? Quem em santa inteligente idiotice acredita em juras suspiradas ao pé do ouvido - depois de um beijo?
Nem parece eu! Euzíssimo eu mesmo! Eu, o eu burro - não este, realista. Eu, mais uma vez...
Então bebo. E ouço jazz.
Bebo e ouço jazz porque me seda a burrice.
Porque apesar de não acelerar o tempo, o disfarça.
Serve-me como o remédio - que só tapeia a chaga até que o corpo, por conta, a cure.
Como o remédio, hoje servem-me a cerveja e a cachaça; que se não me cura, pelo menos disfarça a dor que só o tempo cura.
Mijo o que eu puder dessa memória. Mijo lembrando da cara dela.
Mijo com nojo, querendo mijar de mim tudo o que eu me lembro.
Ou talvez não devesse esquecer? Para deixar de ser idiota!
...Ok! Então, eis uma marca de estilete em minha memória.
E que fique aqui neste blog, para todo o sempre.
Amém.

-- João Otero - 17-jul-11 --
A fidelidade é uma eterna dúvida; somente pode ser reforçada, mas jamais auferida.
A infidelidade é facilmente provada, bastando um único fato.
Mas não há um único fato que prove a fidelidade.
A fidelidade, a lealdade, a confiança... todos esses sentimentos exigem plenitude.
E essa propriedade é que distingue os sentimentos que valem realmente a pena.
Porque a plenitude investe o "tempo" para atribuir-lhes valor.
Esses sentimentos não valem por que o "são" neste momento; e sim porque "foram" já por muito tempo.
Se alguém lhe tem lealdade, se alguém lhe tem fidelidade, se alguém lhe tem confiança... cuide bem! É muito difícil conquistá-los.

14 julho 2011

Batom



Beija com saudade meu peito risonho
o borrão vermelho de minha lapela
feito com mordiscos sob luz de vela
pelos dôces rubros lábios de uma bela
ante o ciúme tolo doutros que eu exponho
nesta minha boca que sempre se esmera               
e somente a ela pode ser sincera
ao jurar que um beijo vale como um sonho.

-- João Otero - 14-jul-2011 --

04 julho 2011

Lá longe



É um olhar bem diferente
o desse olho que só vê...

O ollhar que ora me chama
tem um olho que só sente

...Lá ao longe aquela chama
são os olhos de quem ama
e brilham mais do que se crê

-- João Otero - 2-jul-2011 --
A impossibilidade de tocar a ausência - com a certeza de senti-la...
Não compreender o infinito - nem tampouco conceber um fim sem que haja algo depois...
Dar nome ao nada - que é algo que não existe e nem sequer é imaginável...
Marcar-se na testa com a consequência do tempo - mas sem jamais descobrir sua causa...
Viver e morrer ao mesmo tempo - e contentar-se em não ter um propósito na imensidão desse tudo
...que o é, por si só, a única coisa que faz sentido.

-- João Otero - 2-jul-2011 --