31 março 2014

Linhas




                          Breve e ligeira
                             passeava furtiva a linha
                             entrelaçada na minha
                             outra linha bem mais grave

                        Eram riscas de saudade
                            enovelando suaves
                                   a minha tarde





— João Otero - 31-mar-2014 —



               Meu coração saiu
               limpar o c…
               (da merda que fez).
                              
Transcendeu à oração.
               
               Graças! - houvera de ter
               alguma pureza
               ainda guardada.





— João Otero - 31-mar-2014 —

30 março 2014

Quisera ser dígrafo




                                           quisera ser dígrafo,
                                           cumplicência, ressonância,
                                                                   daltonismo

                                           mas teve a vida em dois peitos,
                                           na variância osciloscópica
                                                 da arritmia

                                            morrera de anacronismo





— João Otero - 30-mar-2014 —

29 março 2014

Vaga




                                        e vendo minguar o farol
                                 que balançava lá atrás


                        alentou a quem soubesse, 
                              deste amor, aonde mirar?


                                     se viu só,
                                         sem quem dissesse…


                                não mais que o barco, da proa
                                        não mais que o casco, do mar




— João Otero - 30-mar-2014 —

Das Coisas Como Elas São





Dor e amor
Labuta e puta

Êta rimas mais batidas!

          Mas não são rimas, são fatos
          Quem lhes rimou foram as vidas…



-- João Otero - 29-mar-2014 --

27 março 2014

Crônicas Tecnológicas II


Felipe e Pedro eram irmãos. Certo dia, Pedro sofreu um grave acidente e foi levado às pressas ao hospital. Por sorte, seu sistema de backups não foi afetado e a equipe médica pôde reconstituir o modelo lógico de seu cérebro átomo a átomo, tal qual momentos antes do acidente. 

Uma pequena parte do cérebro foi substituída por uma prótese artificial, mas que obedecia às mesmas funções lógicas, e que foi resetada ao mesmo estado funcional anterior do cérebro então danificado.  Avanço na medicina - era a primeira vez que tal procedimento tinha sido concluído com êxito absoluto!

Testes confirmaram que o funcionamento mental de Pedro não foi afetado em parte alguma. Não houve perda motora, não houve perda alguma de memória, não houve influência no seu funcionamento lógico - ou seja, nem mesmo a introdução de novas memórias fictícias, ou uma influência em suas percepções sensoriais, e nem mesmo alteração alguma na forma como Pedro sentia suas emoções.

Em suma, Pedro era o mesmíssimo mesmo Pedro de sempre.

Anos adiante, Pedro sofreu novamente da mesma má sorte. Desta vez um pedaço bem maior de seu cérebro foi danificado. Morte cerebral instantânea. 

Mas por um pouco de boa sorte (que tudo na vida vem de um jeito equilibrado), a mesma equipe médica, melhor do mundo naquela especialidade, conseguiu acessar os dados de backup de Pedro junto ao seu exame de ressonância mais recente e foi capaz de reconstruir artificialmente um cérebro inteiro, novinho em folha - que funcionava tal qual o cérebro carbônico anterior. 

O procedimento cirúrgico foi rápido e Pedro voltou para casa normalmente ao final do dia, assim como qualquer um desses ressucitados que abundam cotidianamente pelos hospitais do mundo todo…

Assim como da primeira vez, testes confirmaram que os traços de memória, personalidade, caráter, regras de decisão, empatia e emoção continuavam os mesmos do Pedro original. Mas desta vez, o cérebro de Pedro era 100% máquina. Entretando, pensava como Pedro, tinha as memórias de Pedro, se emocionava como Pedro, comandava inclusive o corpo de Pedro. Ou seja, “era”, de fato, ainda, Pedro.

Pedro foi um desses casos raríssimos que participou de forma crucial em 2 dos avanços científicos mais significativos da ciência humana.

Com o novo cérebro artificial, Pedro tornou-se o primeiro humano a ultrapassar o ducentésimo aniversário (visto que os demais órgãos sempre foram muito mais fáceis de manter e consertar, já há muitas décadas). 

Através de Pedro, psicólogos e pesquisadores de todo o mundo puderam analisar efeitos emocionais até então desconhecidos na história do homem: Pedro viu mais gerações de familiares partirem desta para melhor do que qualquer outro humano vivo até então.

O cérebro de Pedro tornou-se tão importante para as pesquisas que de fato foi replicado 214 vezes, sob encomenda e com seu pleno aceite e autorização, e empregado como voluntário em institutos de pesquisa ao redor do mundo, contido em corpos artificiais. 

A partir do momento de sua concepção, tais Pedros passaram a se comportar com pequenas variações e distinções entre si, razão da influência de diferentes dados sensoriais e experiências de vida às quais foram submetidos. Mas até o momento de sua concepção, todos os 214 Pedros possuíam a mesma memória de 200 e poucos anos. Todos se consideravam vivos à muito tempo, lembravam das mesmas coisas, tinham os mesmos preceitos morais, os mesmos laços afetivos. 

Era apenas como que instantaneamente pudessem tomar 214 caminhos simultâneos. Visitar 214 lugares diferentes ao mesmo tempo. Interagir com 214 pessoas em diferentes locais do mundo, na mesma hora. A partir de sua concepção, tornaram-se 214 vidas independentes. Mas todos eles com 200 e poucos anos de memória e experiências identicamente comuns entre eles.

A “mente” afinal, aprendeu-se enfim, não tem relação alguma com o corpo. Nem com o cérebro. Nem mesmo com o “ser” - levou algumas décadas, mas finalmente todos agora compreendiam! A mente é tão só um processo lógico, que pode “viver” e ser replicada em qualquer substrato que respeite as mesmas regras lógicas seguidas pela mente original - ou impostas pelo cérebro original.

De fato, recentemente os garotos do colégio Emmanuel lá de Jericoacoara (com a ajuda de seus personal bots, obviamente) replicaram 3 segundos das memória de Felipe numa cadeia de dominós no que possivelmente virá a se tornar a maior cadeia de dominós do mundo - ainda a ser confirmada pelo Guinness Book, que está verificando se de fato todos os dominós caíram.

Diz-se que Felipe-versão-dominó morreu feliz. Algumas pessoas ainda não conseguem aceitar esse conceito… - só um breve comentário.

Mas, veja, esse nem é o grande problema. O que tornou-se complicado mesmo foi concluir se Felipe, então irmão de Pedro, foi ou não a primeira pessoa do mundo a ter 215 irmãos. 

Ou se apenas os 214 Pedros-gêmeos é que tinham um único e mesmo irmão, Felipe - já que tecnicamente os Pedros-gêmeos não eram bem gêmeos, e sim a “mesma” pessoa, com múltiplas existências. 

Esse problema ainda é debate acirrado em mesas de bar até hoje, e abalou algumas estruturas sociais profundamente: foi aquele o dia em que o conceito de “irmandade” tornou-se unidirecional? Mas, e pode isso?!



Veja outras Crônicas Tecnológicas e outros textos.

— João Otero - 27-mar-2014 —

"Um objetivo sem um plano é apenas um sonho."
-- Antoine de Saint-Exupéry --


24 março 2014




já-perdi-a-conta devia ser um número. Talvez assim como enésimo, trocentos... E todos esses números indescritíveis e úteis. Assim como o zero, que teve que ser inventado, pra dizer que acabou-se.
Assim como o infinito, que não passa de um oito caído - acho que o zero dura mais...
Eu acho que já-perdi-a-conta devia ser um número.

23 março 2014

Da vida em parcelas




Se funcionasse,
ah se funcionasse, 
os limites do dia

Se funcionasse os limites do dia
haveriam fases, recomeços
- esperança de alegria

Mas nunca soube do dia 
o problema que assovia
dentre as parcelas de vida
e se acomprida, azedo

E quando a vela apaga,
e quando a luz expira,
esse dia que se acaba 
não limita o nosso medo


-- João Otero - 23-mar-2014 --







                                       Viver é prestar atenção.










22 março 2014

Descompasso




…há um descompasso 
neste ritmo de viver


eu num istmo entre a inércia e um passo
vejo o peito em pulso do passado
tocar o meu futuro um pouco sem saber

e este corpo, dança meio parado uma nota sem estrofe
(encaro um presente ainda embrulhado)


e o meu fôlego sofre

          sofre o meu fôlego...


— João Otero - 22-mar-2014 - nova versão —










há um descompasso
no meu ritmo de viver
meu coração pulsa no passado
minha cabeça toca no futuro
e meu corpo aqui parado em frente
a um presente
ainda embrulhado
e o meu fôlego sofre
sofre o meu fôlego...

-- João Otero - 25-nov-2013  - versão original --

12 março 2014

Recorrência



           a
           i 
           c
           n           R
       R e c o r r  e n c i a
           r            c
           r            o
           o           r
           c            r
 a i c n e r r o c e R
           R          n
                        c
                        i
                        a  
         


              a              R 
              i               e  
       R e c o r r ê n c i a
              n              o
              ê               r
              r               r
              r               ê
              i               n
         a i c n ê r r o c e R
              e              i  
              R             a


           a
           i 
           c
           n            R
       R e c o r r  e n c i a
           r             c
           r             o
           o            r
           c            r
a i c n e r  r  o c e             R
                         n              e
           R e         c o r r ê n c i a
                     n   i              o
                     ê   a              r
                     r                   r 
                     r                   ê
                     o                  n
                a i c  n  ê r  r  o c e R
                     e                  i
                     R  :              a     sua    c o m p a n h i a



-- João Otero - 12-mar-2014 --

10 março 2014

Uma linha: poema com preguicinha.

-- João Otero - 10-mar-2014 --

QueBrado




                      q u e b r a d  O
    o                               ã
C             r             ç                 
   q u e         b r a d o !





-- João Otero - 10-mar-2014 --





Rima

Amor e dor
A dois
na gente
Rima
inconveniente

-- João Otero - 10-mar-2014 --

09 março 2014

Vida




A vida

A vinda
Àqui





-- João Otero - 9-mar-2014 --








de pouco        
    em pouco      

           poucou-se




-- João Otero - 9-mar-2014 --

08 março 2014

AmoMovo

Acidente de percurso,
Cafuné na vida:
Feliz Ano Novo!
Feliz Amo Novo!
Feliz Ano Movo.
Feliz! Amo. Movo.

-- João Otero - 8-mar-2014 --

07 março 2014

Bemol

Tocava sempre a mesma nota triste
Da alegria, fresta; alpiste

Volta-e-meia e toca a mesma nota ainda

(Nunca vi alguém gostar tanto de ir doendo a vida...)

-- João Otero - 7-mar-2014 --
"Começa numa jaca... e vai até caqui."

-- Globo Reporter - 7-mar-2014 --

A Massa



Político, sambista, povo, puta, estudante, massa...
E passa o desfile, e a procissão passa
E todos reclamam duma ou doutra joça
Sem que de tanta gente algum se levante e faça

Fazenda, favela, palafita, palhoça...
É tudo parte da mesma roça
São todas gentes que adubam de bosta
Esta terra amada de sangue juvenil

Minha pátria machucada,
Amada,
Brasil.

-- João Otero - 7-mar-2014 --

amor concretista

         
       pode  pode            ser ser                ser ser           concreto concreto             ? ? ? ? ? ? ? ? ?
      pode     pode          ser  ser              ser  ser     concreto             concreto       ? ? ?           ? ? ?
     pode        pode        ser ser ser     ser ser ser   concreto                  concreto    ? ? ?          ? ? ?
    pode pode pode       ser ser   ser  ser  ser ser    concreto                 concreto    ? ? ? ? ? ? ? ?
  pode   pode  pode      ser ser       ser     ser ser     concreto            concreto        ? ? ? ? ? ?
 pode               pode     ser ser                ser ser        concreto       concreto          ? ? ?      ? ? ?
pode                 pode    ser ser                ser ser           concreto concreto             ? ? ?         ? ? ?


-- João Otero - 6-mar-2014 --

05 março 2014

A melhor hora do meu ano.

Até o sono vir




Ah!,

Sejas com essas tuas curvas todas esse tudo-o-que-me-faz-feliz!

Sejas meu chafariz de juventude;

Minha alegria pueril que só ilude;

Meu sonho podre; meu ataúde.

Sejas minha imperatriz.

Acordes-me com um beijo e dê-me outro antes do sono vir.

E refaça tudo por mais um dia, com as curvas lindas que ontem eu nem via.

Só pra que passe esse dia,

E eu possa sorrir.




-- João Otero - 5-mar-2014 --

Pela rima pobre



Composta pela dor,
Prima pela rima nobre e rica -
Não por esta rima pobre, do amor -
Minha poesia.

Clama para quem fica - eu -
Ficar sozinho.

Clama para a memória ir embora.

Mas a memória chama.
E a chama, fica.

-- João Otero - 5-mar-2014 --