Um louco não cria um amor sozinho

um louco não cria um amor sozinho

é preciso dois loucos 

- e muita sorte -

- e mais um pouco -

pra se criar um amor

de vida à morte

que transborde de carinho

um louco, sozinho,

por mais que talhe a pedra dura,

por mais que sonhe a sua ternura,

precisa da tela de uma outra loucura

pra costurar a sua sorte

um louco é só um pingo violeta

nesse infinito cinza de mundo

que numa ânsia de controle

e em marcha lenta

se desfez

mas dois loucos, talvez…

numa improvável catarse do destino

quem sabe possam, num desatino criativo

ganhar do amor o seu crivo

e serem felizes um pouquinho

mas pede-se dois!

um louco não cria um amor sozinho



-- João Otero - 01-abril-2024 --

meu argumento

não tenho nada

nem pão pra oferecer

nem água...

em meu favor,

não tenho vícios

mas não tenho nada para te dar

por isso

não te prometo nada

não tenho nada para te ofertar!

só tinha a posse do meu amor

e agora que chegaste

nem mesmo o amor

é meu 

pra dar

 fico louco de feliz se ela

dois pingos de azul

numa moldura amarela

tempera meu olhar e diz

dominando minha tela

que a vida quase escapa por um triz,

que o importante é ser feliz,

e bla bla bla, dou trela...

e ela é longe

e que longa é a espera

fico louco de feliz

se vem mensagem e é dela

-- João Otero - 15-fev-2021 --

Alegria

alegria, alegria!

eu gosto de escrever poesia

das mais bobinhas

das mais infladas

que nem todo assunto tem que ser grave

olha lá um passarinho!

que pia, que pia!

enquanto a mão mágica surrupia

alegria, alegria!

-- João Otero - 15-fev-2021 --

Mate na folha

só pude apreciar um tanto

o mate molhando a folha

alento bonito ao espanto

mas não dá pra se alongar

nesse verde encantamento

enquanto que ao mesmo tempo

de mate se encolhe a história

corro, levanto o mate

que o mate se toma com amigo

mas o livro, ah! é um perigo

se fica todo encolhido

de mate ao invés de glória

porque amigo chega e se vai

já o livro vem do meu pai

e isso é coisa que fica

a vida que a gente escreve

ainda que seja breve

por essa história se briga!

-- João Otero - 27-set-2018 --

Rente

quando a mente enfada

o corpo sente

quando o corpo nada

a mente mente

quando a mente vaga

a mente quente

o corpo rente

à faca, ofende

o corpo mata

a mente

o corpo

nada

-- João Otero - 23-set-2018 --

siga sofrendo

senão sorrindo

só siga…

sempre sobra uma saída

-- João Otero - 29-mar-2018 --

todo o sentimento pendurado

num colar de gotas de coração

(corações pesam muito se esvaindo…)

mas depois de mais um pingo eu me aprumo

a vida segue sorrindo seu rumo

-- João Otero - 29-mar-2018 --

Lápis-de-cor

Quando eu tinha o tempo distante
A página em branco
A próxima página
Quando o tempo não tinha hora
Quando qualquer hora era tempo
Quando amanhã era muito, muito longe
E eu só tinha o momento
A página em branco
Os lápis-de-cor
A caneta
Os ponteiros cirandavam
Fazendo tum-tum com meu peito

-- João Otero - 16-nov-2017 --

Pés Descalços

Tenho o coração de pés descalços
Brinco com essas ranhuras da terra
E se o pé erra a poça d'água
E acerta a pedra em falso
Talvez eu rale o joelho...
Talvez veja umas flores!
Pois tenho o coração no corpo inteiro
E sinto o chão tal qual um marinheiro
Explorador da vida e seus amores

-- João Otero - 26-out-2017 --

O velho

Corri

Olhando pros pés, corri

Mas quando tropecei (inevitável)

e vi, ainda não era onde eu ia

Numa vidraça tinha um velho 

com pés descalços e inchados

O corpo já meio arqueado

com o peso de uma bola

(ora, um velho e uma bola!)

colorida de passado

E eu, que a essa altura
também já estava cansado

resolvi me escorar por ali

— João Otero - 4-set-2017 --

Diálogo poético com Michel Melamed

‘ponto': período pacífico, pausa pequena

pretiro permanentemente

‘dando': duas; dez; dezoito; declarações…

digo "dê!"

‘final' - ah... 

poeta paira, pensa…

perde-se

degladia-se

degringola

(não inventaram palavras)

foda-se

-- João Otero - 13-abr-2017 --

relax

chuva dedilhando vidro

grilo em loop
o vento indo

folha branca,
eu brinco mudo
tempo parou
pra ver tudo

-- João Otero - 9-mar-2017 --

Era

Esperas - e eu te espero
Quimera
E eram eras do teu enfado
Quireras
Austera fera
E zeras tua pontuação ao meu lado


-- João Otero - 23-dez-2016 --

Aos anos
deixamos para ver o que é que fica
mas veja
que só fica o que deixamos
ao deixarmos mágoa, multiplica
e se era tão bom, por que paramos?




-- João Otero - 30-out-2016 --

Borboleta

nao deixarei que essa borboleta
recém expulsa de um casulo triste
entretenha olhares vãos e famintos
não é de beleza, não confunda
suas bordas com paixão
seu bater aflito, essa dança
é uma ilusão só minha
e morrerá exausta em poucos dias
não lhe detenha o olhar
nem reze
veja-a no chão
que bela!

-- João Otero - 22-out-2016 --

Autofágico

Me olharam no fundo dos olhos as coisas lindas

Me riram sorrisos mais rasos as coisas fracas

Sobrei como um sopro e deitado nas coisas mortas

Sonhei a tristeza abafada das coisas tortas

Segui sem saber se ficava com as velhas coisas

Ou com as coisas novas

Que tanto do mesmo de sempre

Daquelas coisas 

Me falam agora

-- João Otero - 7-out-2016 --

Vírgula

Foi só uma vírgula...

Ainda tem frase
Ainda tem crase
Ainda tem prosa, ainda tem prosa...

Ainda tem rima

Ainda tem clave
Ainda tem nota

Aquela vírgula,
Foi só uma rima torta

Foi só uma pausa
Ainda tem prosa

Ainda tem rosa

-- João Otero - 19-out-2016 --

Viste?!
Saí pra ser feliz
E voltei triste...

A alegria se escondeu
bem na ponta do nariz

Mas ora, tu não viste?
Voltei como se triste
E me refiz
Agora, já voltei
A ser feliz

Essa água no meu rosto
É chuva fina, é só um cisco, é quase nada...

Insiste o contorno dos lábios
Sorrindo na cara inchada

A água salgada escorre,
esvai-me e some
Mas na boca persiste
O sorriso de um homem

E um sorriso é sempre alegre
Mesmo quando ainda triste

Viste?
Saí pra ser feliz
E sou feliz!
Mesmo que triste

-- João Otero - 17-out-2016 --

Sinônimo

Sinônimo é uma cola invisível
que gruda o quer dizer das coisas

É que nem um apelido
tirando a parte engraçada

...Um dia quem sabe
eu vire o sinônimo de alguém



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