Você foi com calma, teve receio, não deu seu máximo, se protegeu. Garantiu uma posição segura.
Você ficou numa condição confortável. Foi com paciência, devagar. Não se arriscou. Mas aproveitou as oportunidades com afinco. Fez o seu melhor quando as condições foram favoráveis. Fez o que tinha que fazer - até algumas coisas que normalmente não faria. Você chegou lá no topo. Obteve muitas conquistas! Acumulou muitas vitórias!
Mas no fundo, você sabe: você não tentou de verdade. Você não venceu de verdade. E quando não venceu, você nem mesmo falhou de verdade.
Você perdeu. E você sabe.
Você escolheu o caminho mais fácil. Você não se jogou, não foi com tudo.
Todo bônus tem seu ônus. Mas você não aceitou as adversidades.
Você perdeu.
Você fechou os olhos ao que não queria ver: você perdeu. Você não acolheu a dor: você perdeu. Você transferiu a sua culpa: você perdeu. Você trapaceou: você perdeu. Você prometeu e não cumpriu, você traiu: você perdeu.
Você se entregou: você perdeu. Você se importou com a opinião alheia: você perdeu.
Você manipulou, ludibriou, faltou com a verdade: você perdeu. Você aceitou vantagens: você perdeu.
Você pisou em outras pessoas: você perdeu. Você mentiu: você perdeu. Você continua em sua zona-de-conforto: você perdeu. Você sujou as mãos: você perdeu. Você sentiu vergonha: você não seguiu seus valores, você perdeu. Você abriu mão de seus sonhos: você perdeu. Você se vendeu, vendeu a sua alma: você perdeu.
Você teve medo, mas foi com medo mesmo: você venceu. Você deu a cara a tapa: você venceu. Você sustentou seus valores, contra tudo e todos: você venceu.
Você chegou quase lá, mas não conquistou seu objetivo. Mas você deu tudo o que tinha. Fez o seu melhor. Você sofreu, mas não se intimidou. Você não tinha mais fôlego, mas tentou mais uma vez. Você apanhou, está no chão, destroçado, acabado, sem forças. Mas você ainda está respirando. E você não se corrompeu.
Você falhou de verdade. Você atingiu o seu limite. E sua alma ainda está limpa, e é sua.
Você venceu!
-- João Otero - 15-mai-2014 --
Exemplos:
-- 18-mai-2014:
http://globoesporte.globo.com/es/noticia/2014/05/boxe-aos-76-anos-touro-moreno-e-derrotado-na-volta-aos-ringues-no-es.html
-- 18-mai-2014:
http://jcotero.blogspot.com.br/2014/05/eberton-tomaz.html
-- aprender a falhar:
http://qr.ae/yyo8X
-- Parar de viver é de matar:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2014/05/1458150-parar-de-viver-e-de-matar.shtml?fb_action_ids=10203820349569069&fb_action_types=og.recommends
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18 maio 2014
04 maio 2014
Folhas - Parte Final
E então seu olhar mudou uma última vez. De volta ao redemoinho das folhas dançantes da calçada na noite fria de outono, aquele olhar derradeiro não era mais meramente contemplativo. Não era um olhar de sorrisos. Desfolheava-lhe a vida.
O olhar desvelador. Percebia, enfim, todas aquelas folhas como páginas e fragmentos da história que escreveu. Tinha-as à frente de suas memórias, para dispor-lhes na ordem em que desejasse. E no entanto, era-lhe fatídica a sequência das aflições e dos sorrisos.
Imaginou aqueles pedaços bagunçados de vida se re-arranjando numa outra ordem. Noutros compêndios. Noutro destino. Um onde talvez a senhora sentada ali no banco da praça acabasse por ser sua companheira, vigiando-o de longe, como por tantos anos. Onde a praça pudesse não ser aquela, mas outra sabe-se-lá-onde. Onde talvez tivesse tido netos - e filhos, antes deles. Onde as lágrimas pingariam outros sais, sob outros sóis, por entre outras bocas, e consoladas por outros dedos que não os seus. E talvez daqueles olhos azuis tivesse-as sorvido mais vezes. Tanto as salgadas quando as doces.
O olhar de então criava. Artístico, num re-arranjo nem tão inédito assim. Era um amigo de há muito visitando novamente aquele rosto. Mas houveram escolhas. “Destinos?” - uns diriam. Caminhos. Vida. Foi assim a dele, até ali.
E era esse olhar particular sobre sua vida tudo o que carregara dela própria até então. Era, de tudo o que viveu, aquilo que conseguiu trazer consigo.
Tudo o que possuía era o seu próprio olhar. E os olhos dela.
— João Otero - 1-mai-2014 —
Folhas - Partes 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14
Nota: Caro leitor, o autor ficou de saco cheio e não vai mais escrever as demais partes da história, inicialmente prevista para 15 partes.
No entanto, o final já estava escrito (tudo sempre tem o final já escrito...). Veja-o no link abaixo.
Veja parte final de Folhas e outras crônicas.
— João Otero - 3-mai-2014 —
03 maio 2014
Folhas - Parte 3
O olhar gripado. Contraponto ao influxo de ar gelado que adentrava as narinas. Ao agrado gelado do vento cortante no rosto. Agrado porque se percebia vivo. Percorria suas veias todo aquele frio como se fosse vida, como se fosse ânimo. Os raios de sol, anúncios de boa sorte, promessas de um bom dia. E o tempo não se expandia mais além. Ficava ali, confinado entre o branco amanhecer e amarelando-se até o pôr-do-sol alaranjado.
Gripado o olhar porque quase gotejava uma lágrima. Avermelhava um pouquinho o contorno dos olhos. Quase soluçava, meio febril. Quase doente. Mas febril de uma doença boa. Febril da paixão que estufa o peito ao ver a mochila dela guardando lugar na fila ali no pátio do colégio - e bem ao lado da sua!
Naquele tempo, um dia tinha o tamanho das cartas, e era o tamanho de toda a vida.
Não lembrava se isso foi antes ou depois das trocas de bilhetes sinceros que cruzavam a sala tensos de mão-em-mão até o desabrochar de um sorriso a apenas confirmar o que todos já sabiam.
Mas pouco importava. Naquele dia, percorreriam lado a lado o caminho do pátio até a sala de aula. E aos 7 anos de idade, isso era o triunfo de um dia.
(continua...)
— João Otero - 3-mai-2014 —
02 maio 2014
Folhas - Parte 2
O olhar eriçado. Como um gato surpreendido. Pois antes que regressasse ao veranico, pousou desavisado ali numa lembrança furtiva de infância. Daquelas que se revelam como novidades, a pouco quase esquecidas naqueles cantos que não se remexe. O olhar bateu na folha seca, e a folha virou blue…
Tinha agora ali frente a seus olhos o mesmo papel de carta azul das primeiras rimas, endereçadas a um aniversário. Mas queriam dizer mais que parabéns - ela sempre soube. E eram parabéns, entretanto, embora não dissessem em momento algum. Eram, para quem lesse, nada além de cavernas encantadas e dragões e rimas bobas e insignificâncias. Mas eram rimas com cheiro. Num papel azul amassado, que embrulhou também bichinhos de porcelana. E como a porcelana marcou o papel-de-carta, a carta fez uma marca no tempo. Foi o primeiro tempo, o da coragem de dizer, sem revelar. O de saber-se o que não foi dito. O da certeza absoluta sem nenhuma evidência além da crença pura. Ela sabia. E para a carta, bastava.
As cartas nunca se preocuparam com a efemeridade do tempo…
(continua…)
Veja a terceira parte de Folhas e outras crônicas.
— João Otero - 2-mai-2014 —
30 abril 2014
Folhas - Parte 1
O olhar ouriçado. Quase que se acendia tal duas luas-cheias estampadas no rosto maravilhado,
fazendo ciúmes às estrelas que, enquanto crescia o olhar, iam se apagando e sumindo no céu...
As luzes de todos os lados parece que se ajuntavam mirando num ponto só.
E mais brilhante que a esperança daquele olhar, só ela - aqueles doces fios dourados, suspensos no tempo e iluminados pelo foco de atenção irradiante do menino.
Quem passasse por ali e se atrevesse a lançar atenção àquele olhar estático perdido no nada vazio daquela calçada enfolharada, nada compreenderia daquela cena noturna de outono. Não perceberia que era cena de veranico ensolarado. Não enxergaria o calor das duas mãos unidas daqueles anos atrás que não estavam mais ali.
Tampouco enxergaria o menino.
Veriam um velho. Um sorriso semi-aberto. Uma curiosidade passageira. E seguiriam seu caminho sem dispender muito tempo nem compreender coisa alguma.
Talvez pisassem nas folhas secas da calçada sem nem notar as outras que redemoinhavam ao lado.
O redomoinho de folhas secas iluminado de olhar saudoso de um menino ainda vivo naquele peito tão velho.
Foi naquele veranico...
(continua...)
(continua...)
Veja a segunda parte de Folhas e outras crônicas.
-- João Otero - 30-abr-2014 --
05 abril 2014
A Camisa
No fim, a vida adulta não muda muito da infância: o desafio é chegar-se ao final do dia ainda limpo.
Até dá pra sujar o rosto, levar uns tombos, sujar as mãos. Mas a camisa tem que estar limpa. Manter a camisa limpa é vencer.
Na infância, suja-se de comida. Na vida adulta, são nossos valores, nossa consciência.
O sapato até pode ficar sujo de lama, pois afinal às vezes é difícil cuidar-se onde pisa (agora que há tantos anos já aprendemos a olhar sempre pra frente...).
Mas ao final do dia, o desafio continua sendo manter a camisa limpa. A camisa tem que estar limpa.
-- João Otero - 5-abr-2014 - ao som de Lorde, Lollapalooza Brasil --
27 março 2014
Crônicas Tecnológicas II
Felipe e Pedro eram irmãos. Certo dia, Pedro sofreu um grave acidente e foi levado às pressas ao hospital. Por sorte, seu sistema de backups não foi afetado e a equipe médica pôde reconstituir o modelo lógico de seu cérebro átomo a átomo, tal qual momentos antes do acidente.
Uma pequena parte do cérebro foi substituída por uma prótese artificial, mas que obedecia às mesmas funções lógicas, e que foi resetada ao mesmo estado funcional anterior do cérebro então danificado. Avanço na medicina - era a primeira vez que tal procedimento tinha sido concluído com êxito absoluto!
Testes confirmaram que o funcionamento mental de Pedro não foi afetado em parte alguma. Não houve perda motora, não houve perda alguma de memória, não houve influência no seu funcionamento lógico - ou seja, nem mesmo a introdução de novas memórias fictícias, ou uma influência em suas percepções sensoriais, e nem mesmo alteração alguma na forma como Pedro sentia suas emoções.
Em suma, Pedro era o mesmíssimo mesmo Pedro de sempre.
Anos adiante, Pedro sofreu novamente da mesma má sorte. Desta vez um pedaço bem maior de seu cérebro foi danificado. Morte cerebral instantânea.
Mas por um pouco de boa sorte (que tudo na vida vem de um jeito equilibrado), a mesma equipe médica, melhor do mundo naquela especialidade, conseguiu acessar os dados de backup de Pedro junto ao seu exame de ressonância mais recente e foi capaz de reconstruir artificialmente um cérebro inteiro, novinho em folha - que funcionava tal qual o cérebro carbônico anterior.
O procedimento cirúrgico foi rápido e Pedro voltou para casa normalmente ao final do dia, assim como qualquer um desses ressucitados que abundam cotidianamente pelos hospitais do mundo todo…
Assim como da primeira vez, testes confirmaram que os traços de memória, personalidade, caráter, regras de decisão, empatia e emoção continuavam os mesmos do Pedro original. Mas desta vez, o cérebro de Pedro era 100% máquina. Entretando, pensava como Pedro, tinha as memórias de Pedro, se emocionava como Pedro, comandava inclusive o corpo de Pedro. Ou seja, “era”, de fato, ainda, Pedro.
Pedro foi um desses casos raríssimos que participou de forma crucial em 2 dos avanços científicos mais significativos da ciência humana.
Com o novo cérebro artificial, Pedro tornou-se o primeiro humano a ultrapassar o ducentésimo aniversário (visto que os demais órgãos sempre foram muito mais fáceis de manter e consertar, já há muitas décadas).
Através de Pedro, psicólogos e pesquisadores de todo o mundo puderam analisar efeitos emocionais até então desconhecidos na história do homem: Pedro viu mais gerações de familiares partirem desta para melhor do que qualquer outro humano vivo até então.
O cérebro de Pedro tornou-se tão importante para as pesquisas que de fato foi replicado 214 vezes, sob encomenda e com seu pleno aceite e autorização, e empregado como voluntário em institutos de pesquisa ao redor do mundo, contido em corpos artificiais.
A partir do momento de sua concepção, tais Pedros passaram a se comportar com pequenas variações e distinções entre si, razão da influência de diferentes dados sensoriais e experiências de vida às quais foram submetidos. Mas até o momento de sua concepção, todos os 214 Pedros possuíam a mesma memória de 200 e poucos anos. Todos se consideravam vivos à muito tempo, lembravam das mesmas coisas, tinham os mesmos preceitos morais, os mesmos laços afetivos.
Era apenas como que instantaneamente pudessem tomar 214 caminhos simultâneos. Visitar 214 lugares diferentes ao mesmo tempo. Interagir com 214 pessoas em diferentes locais do mundo, na mesma hora. A partir de sua concepção, tornaram-se 214 vidas independentes. Mas todos eles com 200 e poucos anos de memória e experiências identicamente comuns entre eles.
A “mente” afinal, aprendeu-se enfim, não tem relação alguma com o corpo. Nem com o cérebro. Nem mesmo com o “ser” - levou algumas décadas, mas finalmente todos agora compreendiam! A mente é tão só um processo lógico, que pode “viver” e ser replicada em qualquer substrato que respeite as mesmas regras lógicas seguidas pela mente original - ou impostas pelo cérebro original.
De fato, recentemente os garotos do colégio Emmanuel lá de Jericoacoara (com a ajuda de seus personal bots, obviamente) replicaram 3 segundos das memória de Felipe numa cadeia de dominós no que possivelmente virá a se tornar a maior cadeia de dominós do mundo - ainda a ser confirmada pelo Guinness Book, que está verificando se de fato todos os dominós caíram.
Diz-se que Felipe-versão-dominó morreu feliz. Algumas pessoas ainda não conseguem aceitar esse conceito… - só um breve comentário.
Mas, veja, esse nem é o grande problema. O que tornou-se complicado mesmo foi concluir se Felipe, então irmão de Pedro, foi ou não a primeira pessoa do mundo a ter 215 irmãos.
Ou se apenas os 214 Pedros-gêmeos é que tinham um único e mesmo irmão, Felipe - já que tecnicamente os Pedros-gêmeos não eram bem gêmeos, e sim a “mesma” pessoa, com múltiplas existências.
Esse problema ainda é debate acirrado em mesas de bar até hoje, e abalou algumas estruturas sociais profundamente: foi aquele o dia em que o conceito de “irmandade” tornou-se unidirecional? Mas, e pode isso?!
— João Otero - 27-mar-2014 —
22 fevereiro 2014
Presente de Aniversário
Era o aniversário de um grande amigo. Amigo do peito mesmo, daqueles que se conta nos dedos.
E eu tinha que levar um presente.
Queria dar algo significativo, para demonstrar meus sentimentos. Mas não bastava sentar junto numa mesa de bar, dar um abraço e dizer "meus parabéns!". Não, eu tinha que marcar a data. Tinha que dar um presente. Mas não um presente qualquer de farmácia. Não podia ser um perfume, ou um conjunto de copos de cerveja... Muito clichê. Daria a impressão de que estou dando um presente apenas por obrigação, e que por pura conveniência pessoal nem me dei ao trabalho de pensar com carinho em qual o melhor objeto a presentear. Meu amigo não merecia isso. Eu queria que ele se sentisse especial, que percebesse e valorizasse o meu verdadeiro afeto.
Sei que durou anos e nunca fui assim tão sincero, mas chega uma fase da vida da gente que a gente passa a considerar de fato e conscientemente aquelas pessoas que nos são importantes. E era chegada a minha vez. Eu queria demonstrar. E me pus a pensar em qual seria o melhor presente para o meu amigo.
Já sabido que abraço não, e que perfume também não, e tampouco copos de cerveja, comecei a imaginar quais presentes pudessem agregar valor maior à vida do meu amigo. Pensei em livros, para agregar conhecimento. Mas então me dei conta de que por maior que fosse o conhecimento agregado por um livro, geralmente são poucas as passagens que "ficam". E ainda o tal conhecimento seria usado, quando muito, uma vez lá ou outra na vida. Não. Eu precisava encontrar algo que fosse mais útil, mais cotidiano, uma utilidade mais imediata e presente.
Pensei em um show da banda de rock favorita. Uma memória que se tornaria eterna. Mas aí pensei que embora memórias sejam algo legal de se cultivar, bem, não agregam muito de prático à vida. E ele provavelmente já iria nesse show mesmo. E portanto, "eu" não teria feito tanta diferença assim em sua vida com um presente desses.
Pensei que tinha que ser algo útil, que durasse muito, e cogitei um carro. Um carro é puta útil! Ele vai adorar, e vai durar muito tempo. Ok, é caro... mas poxa, é meu amigão! Ele merece. Mas aí pensei que se eu desse um carro, poderia estar causando um mal, pois no ano que vem haveria outro aniversário e o que eu-endividado daria então? Sem contar que ele poderia se sentir ofendido, pensando que julgo que ele não teria condições de trocar de carro sozinho, caso quisesse... Não quero correr esse risco de perder uma amizade tão importante por besteira. E ademais, é um aniversário afinal, para comemorar a passagem de um único ano; e portanto eu precisava encontrar um presente de utilidade de um ano. O preço do presente pouco significa.
Pensei então que eu queria esse amigo pra sempre comigo. E que a vida é feita de passo em passo. Precisamos ter saúde para que o ano que vem aconteça. Saúde. Algo que fosse útil. Com utilidade imediata, que durasse este ano. Que agregasse à vida do meu amigo. Que ele percebesse o quanto eu o valorizo e admiro. Que lembrasse de mim até o próximo ano, para novamente comemorarmos juntos a nossa amizade.
Dei um fio-dental.
E depois de tudo isso, nem mesmo um "muito obrigado". É foda. Nunca faça nada com expectativa de reconhecimento.
-- João Otero - 22-fev-2014 --
E eu tinha que levar um presente.
Queria dar algo significativo, para demonstrar meus sentimentos. Mas não bastava sentar junto numa mesa de bar, dar um abraço e dizer "meus parabéns!". Não, eu tinha que marcar a data. Tinha que dar um presente. Mas não um presente qualquer de farmácia. Não podia ser um perfume, ou um conjunto de copos de cerveja... Muito clichê. Daria a impressão de que estou dando um presente apenas por obrigação, e que por pura conveniência pessoal nem me dei ao trabalho de pensar com carinho em qual o melhor objeto a presentear. Meu amigo não merecia isso. Eu queria que ele se sentisse especial, que percebesse e valorizasse o meu verdadeiro afeto.
Sei que durou anos e nunca fui assim tão sincero, mas chega uma fase da vida da gente que a gente passa a considerar de fato e conscientemente aquelas pessoas que nos são importantes. E era chegada a minha vez. Eu queria demonstrar. E me pus a pensar em qual seria o melhor presente para o meu amigo.
Já sabido que abraço não, e que perfume também não, e tampouco copos de cerveja, comecei a imaginar quais presentes pudessem agregar valor maior à vida do meu amigo. Pensei em livros, para agregar conhecimento. Mas então me dei conta de que por maior que fosse o conhecimento agregado por um livro, geralmente são poucas as passagens que "ficam". E ainda o tal conhecimento seria usado, quando muito, uma vez lá ou outra na vida. Não. Eu precisava encontrar algo que fosse mais útil, mais cotidiano, uma utilidade mais imediata e presente.
Pensei em um show da banda de rock favorita. Uma memória que se tornaria eterna. Mas aí pensei que embora memórias sejam algo legal de se cultivar, bem, não agregam muito de prático à vida. E ele provavelmente já iria nesse show mesmo. E portanto, "eu" não teria feito tanta diferença assim em sua vida com um presente desses.
Pensei que tinha que ser algo útil, que durasse muito, e cogitei um carro. Um carro é puta útil! Ele vai adorar, e vai durar muito tempo. Ok, é caro... mas poxa, é meu amigão! Ele merece. Mas aí pensei que se eu desse um carro, poderia estar causando um mal, pois no ano que vem haveria outro aniversário e o que eu-endividado daria então? Sem contar que ele poderia se sentir ofendido, pensando que julgo que ele não teria condições de trocar de carro sozinho, caso quisesse... Não quero correr esse risco de perder uma amizade tão importante por besteira. E ademais, é um aniversário afinal, para comemorar a passagem de um único ano; e portanto eu precisava encontrar um presente de utilidade de um ano. O preço do presente pouco significa.
Pensei então que eu queria esse amigo pra sempre comigo. E que a vida é feita de passo em passo. Precisamos ter saúde para que o ano que vem aconteça. Saúde. Algo que fosse útil. Com utilidade imediata, que durasse este ano. Que agregasse à vida do meu amigo. Que ele percebesse o quanto eu o valorizo e admiro. Que lembrasse de mim até o próximo ano, para novamente comemorarmos juntos a nossa amizade.
Dei um fio-dental.
E depois de tudo isso, nem mesmo um "muito obrigado". É foda. Nunca faça nada com expectativa de reconhecimento.
-- João Otero - 22-fev-2014 --
21 fevereiro 2014
Crônicas Tecnológicas I
E ali pela segunda década dos anos dois mil inventaram o carro que dava licença.
Perceberam que às vezes, quando iam estacionar os carros, o espaço disponível "quase" dava. Pensavam "se aquele carro ali atrás tivesse estacionado um pouquinho mais pra trás e aquele outro carro ali à frente tivesse estacionado um pouquinho mais adiante...".
O princípio era o seguinte: o motorista que queria estacionar "pedia licença" aos carros da frente e de trás, que gentilmente religavam seus motores automaticamente e mesmo na ausência de seus donos andavam um pouquinho, caso houvesse espaço, para fazer uma vaga extra ao motorista que tentava estacionar.
Ideia genial! E tudo andava bem - fora o trânsito de São Paulo, que nunca até hoje ficou "bem". Mas ao menos havia umas vagas extras para estacionamento na rua...
Até que um dia surgiu o primeiro caso de extraviamento espontâneo de automóveis - também apelidado de Alzheimer dos Carros - e que mais tarde, ao tornar-se mais corriqueiro e fazer com que alguns carros ficassem sem combustível para voltar para casa, obrigou as montadoras a um recall para conserto do bug.
O bug era o seguinte: em certas ocasiões muito peculiares ocorria uma sequência de pedidos de licença para o mesmo carro; e acaso os carros de trás (ou da frente) tivessem desocupado sua vaga, liberando espaço para que o carro pudesse andar, o automóvel educadamente ia cedendo o seu lugar um pouquinho e um pouquinho mais, várias vezes seguidas.
Ocorre que um dia o dono do tal automóvel educado não encontrou o carro no lugar que o tinha deixado e chamou a polícia. Foi aquela confusão... Até descobrirem seu carro gentilmente esperando à oitenta metros de distância.
As montadoras corrigiram o problema rapidamente. Fizeram os carros aprenderem a negociar. O princípio era o seguinte: os carros ainda cederiam lugar, mas contanto que entendessem que não haviam mudado em muito a sua própria posição, de modo que seu dono não percebesse nenhuma mudança significativa a ponto de precisar chamar a polícia. Os carros passaram, de certa forma, a aprender a dizer "por favor; obrigado", mas também às vezes a dizer "desculpa, mas desta vez não".
E tudo foi bem por um tempo - mas menos tempo que o que demorou para o primeiro recall, entretanto - até que um segundo recall foi necessário.
O negócio é que os carros desenvolveram por conta própria um sistema de créditos sociais. Funcionava assim, um carro dizendo ao outro, que respondia:
- Bom dia, você pode me dar licença?
- Desculpe, mas desta vez não...
- Mas só mais meio metro?
- Não dá, já andei bastante; meu dono não vai conseguir me encontrar depois...
E nesse ponto o carro solicitante desconfiava entre uma de duas coisas: ou era muita falta de cooperação e bom senso, ou então era apenas uma desculpinha por pura preguiça. E na ocasião em que o favor deveria ser retribuído, lembrava então da situação ocorrida e negava o pedido por puro remorso.
Esse comportamento entre os carros escalou rapidamente, e os carros passaram até a discutir no meio da rua, veja só! Foi aquela lambança; comportamento de gente baixa mesmo... Mas enfim, o segundo recall foi feito e o novo bug foi consertado.
A solução encontrada foi fazer com que os carros reprimissem seus sentimentos antes que se transformassem em briga de tapas e socos.
Tudo voltou ao normal e ocorreu bem por um certo tempo. ...Até o primeiro suicídio.
Os carros passaram a se sentir angustiados, ansiosos, deprimidos. Certo dia, um deles propositalmente atravessou o sinal vermelho e se matou. Em pouco tempo a ideia espalhou-se como um vírus, e não durou muito para, a despeito de todos os aparatos de segurança obrigatórios em todos os carros, o primeiro ser humano acabar morrendo também.
Mas não houve tempo para recall desta vez. Foi tudo muito rápido... Automóveis que estavam apenas passeando felizes da vida sentiram-se ofendidos com os encontrões e incomodações provocados por aqueles menos afortunados. Por sua feita, os desafortunados carros deprimidos em face de uma inveja silenciosa deprimiam-se ainda mais e alguns tornaram-se agressivos. Um grupo de carros extremistas organizou-se. Os ânimos se exaltaram. Em questão de dias ecolodiu a primeira guerra civil dos automóveis, como ficou conhecida nos anais da história.
Dinâmicas emergentes. Dinâmicas emergentes... Nunca foi fácil antecipar bugs.
Veja outras Crônicas Tecnológicas e outros textos.
-- João Otero - 21-fev-2014 --
O princípio era o seguinte: o motorista que queria estacionar "pedia licença" aos carros da frente e de trás, que gentilmente religavam seus motores automaticamente e mesmo na ausência de seus donos andavam um pouquinho, caso houvesse espaço, para fazer uma vaga extra ao motorista que tentava estacionar.
Ideia genial! E tudo andava bem - fora o trânsito de São Paulo, que nunca até hoje ficou "bem". Mas ao menos havia umas vagas extras para estacionamento na rua...
Até que um dia surgiu o primeiro caso de extraviamento espontâneo de automóveis - também apelidado de Alzheimer dos Carros - e que mais tarde, ao tornar-se mais corriqueiro e fazer com que alguns carros ficassem sem combustível para voltar para casa, obrigou as montadoras a um recall para conserto do bug.
O bug era o seguinte: em certas ocasiões muito peculiares ocorria uma sequência de pedidos de licença para o mesmo carro; e acaso os carros de trás (ou da frente) tivessem desocupado sua vaga, liberando espaço para que o carro pudesse andar, o automóvel educadamente ia cedendo o seu lugar um pouquinho e um pouquinho mais, várias vezes seguidas.
Ocorre que um dia o dono do tal automóvel educado não encontrou o carro no lugar que o tinha deixado e chamou a polícia. Foi aquela confusão... Até descobrirem seu carro gentilmente esperando à oitenta metros de distância.
As montadoras corrigiram o problema rapidamente. Fizeram os carros aprenderem a negociar. O princípio era o seguinte: os carros ainda cederiam lugar, mas contanto que entendessem que não haviam mudado em muito a sua própria posição, de modo que seu dono não percebesse nenhuma mudança significativa a ponto de precisar chamar a polícia. Os carros passaram, de certa forma, a aprender a dizer "por favor; obrigado", mas também às vezes a dizer "desculpa, mas desta vez não".
E tudo foi bem por um tempo - mas menos tempo que o que demorou para o primeiro recall, entretanto - até que um segundo recall foi necessário.
O negócio é que os carros desenvolveram por conta própria um sistema de créditos sociais. Funcionava assim, um carro dizendo ao outro, que respondia:
- Bom dia, você pode me dar licença?
- Desculpe, mas desta vez não...
- Mas só mais meio metro?
- Não dá, já andei bastante; meu dono não vai conseguir me encontrar depois...
E nesse ponto o carro solicitante desconfiava entre uma de duas coisas: ou era muita falta de cooperação e bom senso, ou então era apenas uma desculpinha por pura preguiça. E na ocasião em que o favor deveria ser retribuído, lembrava então da situação ocorrida e negava o pedido por puro remorso.
Esse comportamento entre os carros escalou rapidamente, e os carros passaram até a discutir no meio da rua, veja só! Foi aquela lambança; comportamento de gente baixa mesmo... Mas enfim, o segundo recall foi feito e o novo bug foi consertado.
A solução encontrada foi fazer com que os carros reprimissem seus sentimentos antes que se transformassem em briga de tapas e socos.
Tudo voltou ao normal e ocorreu bem por um certo tempo. ...Até o primeiro suicídio.
Os carros passaram a se sentir angustiados, ansiosos, deprimidos. Certo dia, um deles propositalmente atravessou o sinal vermelho e se matou. Em pouco tempo a ideia espalhou-se como um vírus, e não durou muito para, a despeito de todos os aparatos de segurança obrigatórios em todos os carros, o primeiro ser humano acabar morrendo também.
Mas não houve tempo para recall desta vez. Foi tudo muito rápido... Automóveis que estavam apenas passeando felizes da vida sentiram-se ofendidos com os encontrões e incomodações provocados por aqueles menos afortunados. Por sua feita, os desafortunados carros deprimidos em face de uma inveja silenciosa deprimiam-se ainda mais e alguns tornaram-se agressivos. Um grupo de carros extremistas organizou-se. Os ânimos se exaltaram. Em questão de dias ecolodiu a primeira guerra civil dos automóveis, como ficou conhecida nos anais da história.
Dinâmicas emergentes. Dinâmicas emergentes... Nunca foi fácil antecipar bugs.
Veja outras Crônicas Tecnológicas e outros textos.
-- João Otero - 21-fev-2014 --
24 novembro 2010
Matei uma Barata
Matei uma Barata
Agora há pouco matei uma barata.
Mas não era uma barata qualquer. Era uma ba-ra-ta; pré-histórica; quase 10 centímetros...
Quase um mamute!
Eu já tinha visto essa nojenta outro dia.
Tentei duas chineladas, mas não adiantou. A barata se jogava da parede - literalmente - bem na hora que eu ia acertá-la.
Deixei a janela aberta, com a esperança de que ela tivesse querendo ir embora. Como não a vi mais por uns 2 dias, assumi que ela tinha colaborado com a minha situação.
Foi aí que eu li a notícia de uma pesquisa recenta da UFRJ, onde diz que a inversão térmica do verão faz as baratas saírem dos bueiros e procurarem locais mais frescos: isso mesmo, nossa casa. É parceiro... quando Murphy ataca, Murphy ataca mesmo.
Já não chega o nojo - o completo asco que me dá só imaginar a imagem de uma barata; hoje, eu, revirando meus papéis, dou de cara e quase que encosto numa!
Pra conseguir matar uma barata, você tem que pensar como elas.
Se um cara com muita raiva de mim estivesse me caçando impiedosamente, e eu fosse uma barata, para onde eu iria? Obviamente para o buraco mais escuro e difícil de cavocar possível, tão logo esse maluco desse a primeira chinelada.
A operação se deu mais ou menos assim: primeira coisa, retirar todos os papéis, livros, aparelhos, e pilhas e pilhas de coisas que estavam naquela sala (recém me mudei pessoal), em volta do balcão-hotel apropriado pela Barata.
Levei tudo pra sala ao lado. Ensacolei todas as bugigangas soltas espalhadas ao redor, pra não dar margem à obstáculos me atrapalhando.
Arredei todos os móveis, para não deixar lugares inalcançáveis.
Ela tinha entrado numa caixa. Deixei a caixa para mexer por último.
Enfim tentei matar a desgraçada, mas ela fugiu ao redor daquele balcão umas quatro vezes; todas tentativas de assassinato frustradas. Ela corria por todos os lados, se enfiava em todos os buracos e ficava até de ponta-cabeças nas reentrâncias do móvel.
Bem, pensei: agora que eu tinha movido tudo para a outra sala, essa outra sala automaticamente teria se tornado o lugar preferido para a próxima hospedagem noturna da filha-da-puta da Barata. Eu já tinha me resignado. Comecei a guardar meus livros e ajeitar melhor as coisas, para pelo menos diminuir essa probabilidade.
Pra fazer uma ideia do tamanho da barata, sabe como eu fui conseguir matar a infeliz? ...Eu estava levando os livros da segunda sala pro meu quarto, quando ouvi um barulho naquela primeira sala.
O que eu ouvi era a barata carrendo! A barata era tão grande que dava pra ouvir os "passos" dela!
Peguei a infeliz quase na porta, indo justamente para a sala do lado!
Eu não teria conseguido pensar tão bem como uma barata nem que eu fosse uma!
Teve mais um corre-corre, mas dessa vez em campo aberto: salve Sun Tzu, senhor da guerra, e todos os aprendizados que ele me deu sobre "o terreno"!
A barata dessa vez não teve a menor chance. (Apesar de eu ter fechado os olhos; porque aquela gosma é foda...)
E a tal pesquisa da UFRJ ainda fica do lado das baratas, vê se pode?!
Ah, é comida do passarinho? Ah, faz parte da cadeia alimentar da aranha?
...Eu quero mais é que se fodam todas as baratas!
Os passarinhos e as aranhas que virem vegetarianos, ué! Não está na moda mesmo?!
Finalmente, achei o abridor de vinho que eu tava procurando antes disso tudo.
A lei da compensação pelo menos fez gelar um pouco mais o vinho que eu deixei no freezer.
Um brinde às baratas mortas. Saúde pra mim!
-- João Otero - 24-nov-10 --
Agora há pouco matei uma barata.
Mas não era uma barata qualquer. Era uma ba-ra-ta; pré-histórica; quase 10 centímetros...
Quase um mamute!
Eu já tinha visto essa nojenta outro dia.
Tentei duas chineladas, mas não adiantou. A barata se jogava da parede - literalmente - bem na hora que eu ia acertá-la.
Deixei a janela aberta, com a esperança de que ela tivesse querendo ir embora. Como não a vi mais por uns 2 dias, assumi que ela tinha colaborado com a minha situação.
Foi aí que eu li a notícia de uma pesquisa recenta da UFRJ, onde diz que a inversão térmica do verão faz as baratas saírem dos bueiros e procurarem locais mais frescos: isso mesmo, nossa casa. É parceiro... quando Murphy ataca, Murphy ataca mesmo.
Já não chega o nojo - o completo asco que me dá só imaginar a imagem de uma barata; hoje, eu, revirando meus papéis, dou de cara e quase que encosto numa!
Pra conseguir matar uma barata, você tem que pensar como elas.
Se um cara com muita raiva de mim estivesse me caçando impiedosamente, e eu fosse uma barata, para onde eu iria? Obviamente para o buraco mais escuro e difícil de cavocar possível, tão logo esse maluco desse a primeira chinelada.
A operação se deu mais ou menos assim: primeira coisa, retirar todos os papéis, livros, aparelhos, e pilhas e pilhas de coisas que estavam naquela sala (recém me mudei pessoal), em volta do balcão-hotel apropriado pela Barata.
Levei tudo pra sala ao lado. Ensacolei todas as bugigangas soltas espalhadas ao redor, pra não dar margem à obstáculos me atrapalhando.
Arredei todos os móveis, para não deixar lugares inalcançáveis.
Ela tinha entrado numa caixa. Deixei a caixa para mexer por último.
Enfim tentei matar a desgraçada, mas ela fugiu ao redor daquele balcão umas quatro vezes; todas tentativas de assassinato frustradas. Ela corria por todos os lados, se enfiava em todos os buracos e ficava até de ponta-cabeças nas reentrâncias do móvel.
Bem, pensei: agora que eu tinha movido tudo para a outra sala, essa outra sala automaticamente teria se tornado o lugar preferido para a próxima hospedagem noturna da filha-da-puta da Barata. Eu já tinha me resignado. Comecei a guardar meus livros e ajeitar melhor as coisas, para pelo menos diminuir essa probabilidade.
Pra fazer uma ideia do tamanho da barata, sabe como eu fui conseguir matar a infeliz? ...Eu estava levando os livros da segunda sala pro meu quarto, quando ouvi um barulho naquela primeira sala.
O que eu ouvi era a barata carrendo! A barata era tão grande que dava pra ouvir os "passos" dela!
Peguei a infeliz quase na porta, indo justamente para a sala do lado!
Eu não teria conseguido pensar tão bem como uma barata nem que eu fosse uma!
Teve mais um corre-corre, mas dessa vez em campo aberto: salve Sun Tzu, senhor da guerra, e todos os aprendizados que ele me deu sobre "o terreno"!
A barata dessa vez não teve a menor chance. (Apesar de eu ter fechado os olhos; porque aquela gosma é foda...)
E a tal pesquisa da UFRJ ainda fica do lado das baratas, vê se pode?!
Ah, é comida do passarinho? Ah, faz parte da cadeia alimentar da aranha?
...Eu quero mais é que se fodam todas as baratas!
Os passarinhos e as aranhas que virem vegetarianos, ué! Não está na moda mesmo?!
Finalmente, achei o abridor de vinho que eu tava procurando antes disso tudo.
A lei da compensação pelo menos fez gelar um pouco mais o vinho que eu deixei no freezer.
Um brinde às baratas mortas. Saúde pra mim!
-- João Otero - 24-nov-10 --
19 julho 2010
Hipocondríaco e Sintomático
Hipocondriaco e Sintomático
Eu, hipocondríaco, sintomático, quase transformo em febre reumática uma mera streptococcus. Não é que, preocupado em sufocar de dor, acordo eu e entro na internet pra descobrir do que se trata minha chaga; e horas depois, ao acordar novamente no meio da noite, meu dedão do pé tá inchado, doendo, pulsando, como se eu tivesse chutado a quina do balcão - ou como se eu tivesse mesmo é com uma febre reumática?!
Aos hipocondríacos como eu são aos que mais funcionam os placebos, e aos que menos servem os homeopáticos. Pois é só dizer que há uma chance remota de um efeito colateral para ele virar sintoma líquido e certo; e é só dizer que "leva tempo, mas funciona...", que o tempo esse é exagerado, e vira "nunca" imediatamente!
Eu, hipocondríaco, sintomático, tenho flashback e entro em nóia até com erva natural. ...Nem me arrisco em nada um pouco mais sintetizado!
Eu, hipocondríaco: ao se me despontar um novo amor, já sei, de prévia sabedoria que ele vai durar pouco; que eu vou me entregar de todo; que eu vou sofrer muito... Não, um pouco mais do que isso. Muito mesmo. Já sei que vou ter pano pra manga pra minha poesia por alguns dias. Que o mundo vai acabar e todas aquelas coisas dos hipocondríacos...
E aí eu ligo, escrevo, imploro, me abro como nunca, digo que amo... E no seguinte segundo, "puff" - ela escapuliu! "Eu não disse?!"
...Eu: sintomático!
-- João Otero - 19-jul-10 --
Eu, hipocondríaco, sintomático, quase transformo em febre reumática uma mera streptococcus. Não é que, preocupado em sufocar de dor, acordo eu e entro na internet pra descobrir do que se trata minha chaga; e horas depois, ao acordar novamente no meio da noite, meu dedão do pé tá inchado, doendo, pulsando, como se eu tivesse chutado a quina do balcão - ou como se eu tivesse mesmo é com uma febre reumática?!
Aos hipocondríacos como eu são aos que mais funcionam os placebos, e aos que menos servem os homeopáticos. Pois é só dizer que há uma chance remota de um efeito colateral para ele virar sintoma líquido e certo; e é só dizer que "leva tempo, mas funciona...", que o tempo esse é exagerado, e vira "nunca" imediatamente!
Eu, hipocondríaco, sintomático, tenho flashback e entro em nóia até com erva natural. ...Nem me arrisco em nada um pouco mais sintetizado!
Eu, hipocondríaco: ao se me despontar um novo amor, já sei, de prévia sabedoria que ele vai durar pouco; que eu vou me entregar de todo; que eu vou sofrer muito... Não, um pouco mais do que isso. Muito mesmo. Já sei que vou ter pano pra manga pra minha poesia por alguns dias. Que o mundo vai acabar e todas aquelas coisas dos hipocondríacos...
E aí eu ligo, escrevo, imploro, me abro como nunca, digo que amo... E no seguinte segundo, "puff" - ela escapuliu! "Eu não disse?!"
...Eu: sintomático!
-- João Otero - 19-jul-10 --
16 junho 2010
texto: Meias Brancas
Meias Brancas
Hoje pela manhã eu descobri sem-querer a solução para o problema do lixo no mundo: meias brancas!
As meias brancas têm a propriedade de sumir com o passar do tempo. Se acondicionarmos todo o lixo do mundo dentro de meias brancas - vupt! - solucionamos o problema do lixo!
...Minha última teoria é a de que as canetas Bic são fabricadas com meias brancas embutidas. Mas é uma hipótese ainda necessitando observações adicionais.
(Isso se elas não sumirem antes...)
-- João Otero - 16-jun-10 --
Hoje pela manhã eu descobri sem-querer a solução para o problema do lixo no mundo: meias brancas!
As meias brancas têm a propriedade de sumir com o passar do tempo. Se acondicionarmos todo o lixo do mundo dentro de meias brancas - vupt! - solucionamos o problema do lixo!
...Minha última teoria é a de que as canetas Bic são fabricadas com meias brancas embutidas. Mas é uma hipótese ainda necessitando observações adicionais.
(Isso se elas não sumirem antes...)
-- João Otero - 16-jun-10 --
14 maio 2010
Pontacabeça
Prólogo:
Eu sei que meu português ficou uma bosta neste texto. Mas não importa muito. A mensagem é o mais importante.
Pontacabeça
Eu olho em volta e vejo tudo muito raso, muito rápido, muito superficial, muito efêmero.
Relacionamentos fast-food, pegos numa caixinha em uma balada da moda qualquer, e largados em alguma lixeira 15 minutos depois.
Todos pegando todos, e ninguém lembrando de ninguém.
Namorados que não se vêem no sábado, que preferem sair com os amigos. Que não sentem falta um do outro.
Vejo beijos fazendo fila na boca de qualquer um/uma...
Vejo a ostentação sendo usada muito eficazmente como uma arma na busca por sexo... E vejo pessoas caindo nessa! O ingresso de tanto, o passe que é VIP, o dono de tal empresa, o "amigo" influente, a bebida mais cara, a casa da moda, as roupas de marca, o carro mais caro...
Eu vejo a sinceridade virando algo conveniente e circunstancial: não ouço mentiras, mas tampouco ouço as verdades, pois elas são escondidas.
Eu vejo a falta de franqueza; a falta do vou-dizer-na-tua-cara.
Eu vejo a falta de envolvimento, despreocupação com os sentimentos alheios: vejo um jogo de conquistas, e os sentimentos virarem troféus.
Eu vejo a busca pelo prazer rápido, descomprometido, descartável.
Eu vejo relacionamentos tapa-buracos, convenientes para preencher as happy(dead)-hours pós trabalho.
Vejo pessoas se comunicando online num domingo, estando na mesma cidade, estando às vezes na mesma sala...
Eu fico triste vendo as pessoas se tratando e sendo tratadas como joguetes.
Amigos amarelos; máscaras sociais; joguinhos sociais; comportamentos subliminares.
Eu vejo todas essas coisas em excesso, dia após dia. E me falta o que preencha a minha alma. E duvido que essas coisas preencham alguma alma, aliás.
Eu sinto pena pelas pessoas que agem assim; e que de fato acreditam (isso é o pior) estarem fazendo o melhor para si. Pena porque talvez nunca descubram de verdade uma felicidade mais longa.
Eu vejo pressa em ter-se o que não importa, e paciência demais, morosidade demais em se buscar as coisas que importam. Todos querem status, carreira, dinheiro; ninguém quer música, companheirismo, risadas, jantar em família...
Todos perguntam "O que você faz?"; ninguém pergunta "O que você quer fazer?".
Todos perguntam "Onde você mora?"; ninguém pergunta "Aonde você vai?".
Eu vejo conformismo, e isso me indigna...
Valores invertidos. Mundo de pontacabeça.
Eu vejo escravos da vida estudar-trabalhar-casar-ter-filhos; escravos das normas; escravos do que a família-amigos-sociedade vai pensar; escravos do conformismo das coisas-que-são-assim-e-não-vão-mudar.
Eu vejo pessoas desistindo de tudo muito fácil, pelas mais esfarrapadas desculpas: desistindo dos sonhos, desistindo de uma paixão, desistindo de uma aventura, desistindo de um amor. Mentem à si mesmas.
Eu vejo pessoas desacreditando que a bondade existe em maior oferta no coração das pessoas do que existem a sacanagem, a malandragem, a maldade, o desrespeito.
Isso me lembra um pouco o fundamento do terrorismo, sobrevivente pelos noticiários da noite ou através das páginas policiais de jornal... Porque embora haja sim sacanagem, malandragem e maldade, tudo isso é muito pequeno, mas causa um impacto muito grande.
As pessas mudam de comportamento porque amplificam uma percepção negativa muito além do que deveriam. As pessoas mudam de comportamento porque passam a sentir medo demais. E todos, aterrorizados, ficam imóveis. Rugido de um tigre: pessoas imóveis! Situação adversa: pessoas imóveis! Terrorismo: pessoas imóveis! Medos, medos, medos: pessoas imóveis dentro de si; pessoas egoístas; pessoas que não se deixam levar. Merda de cérebro que funciona assim.
E eu vejo muitas pessoas com medo: de sofrer, de se entregar, de persistir, de se arriscar... Morrendo sem saber. Vivendo sem sentir. Sentindo até, mas muito pouco; muito menos do que poderiam... E por que? Porque têm medo. Não há como sentir o máximo sem que seja se arriscando ao máximo também.
Mas o medo de sentir-se mal é maior do que o benefício de sentir-se bem, paradoxalmente.
Isso não entra na minha cabeça: como alguém prefere o não-sentir ao sentir-se muito bem, só por existir um risco de sentir-se mal?! Zumbis... Zumbis é que não sentem! Sinto como se tivesse nascido no lugar errado, na época errada.
Que graça tem viver uma vida que um dia acaba - sempre - se for só pra deixar ela passar pela gente?! Sentir-se mal, que seja, não vale mais a pena?! Sentir-se bem, não vale o risco?!
Só a coragem enfrenta o medo. Só a fé - que é acreditar por acreditar, sem ter certezas - é capaz de gerar coragem.
Falta fé.
Eu só quero dizer que eu não faço parte dessa merda.
Um contra-argumento seria me perguntar se eu sou feliz. Não sou; e é cada vez mais difícil. Mas eu ainda tenho fé.
E quando eu for, vai ser 100%, não pela metade.
A minha fé é que haja mais alguém que também não faça parte dessa merda toda... E se houver, não diga, simplesmente: haja com um pouco mais de caráter, com uma pitada a mais de coragem. Terás assim ajudado o mundo a viver um pouco melhor. E terás me ajudado também.
-- João Otero - 14-mai-10 --
Eu sei que meu português ficou uma bosta neste texto. Mas não importa muito. A mensagem é o mais importante.
Pontacabeça
Eu olho em volta e vejo tudo muito raso, muito rápido, muito superficial, muito efêmero.
Relacionamentos fast-food, pegos numa caixinha em uma balada da moda qualquer, e largados em alguma lixeira 15 minutos depois.
Todos pegando todos, e ninguém lembrando de ninguém.
Namorados que não se vêem no sábado, que preferem sair com os amigos. Que não sentem falta um do outro.
Vejo beijos fazendo fila na boca de qualquer um/uma...
Vejo a ostentação sendo usada muito eficazmente como uma arma na busca por sexo... E vejo pessoas caindo nessa! O ingresso de tanto, o passe que é VIP, o dono de tal empresa, o "amigo" influente, a bebida mais cara, a casa da moda, as roupas de marca, o carro mais caro...
Eu vejo a sinceridade virando algo conveniente e circunstancial: não ouço mentiras, mas tampouco ouço as verdades, pois elas são escondidas.
Eu vejo a falta de franqueza; a falta do vou-dizer-na-tua-cara.
Eu vejo a falta de envolvimento, despreocupação com os sentimentos alheios: vejo um jogo de conquistas, e os sentimentos virarem troféus.
Eu vejo a busca pelo prazer rápido, descomprometido, descartável.
Eu vejo relacionamentos tapa-buracos, convenientes para preencher as happy(dead)-hours pós trabalho.
Vejo pessoas se comunicando online num domingo, estando na mesma cidade, estando às vezes na mesma sala...
Eu fico triste vendo as pessoas se tratando e sendo tratadas como joguetes.
Amigos amarelos; máscaras sociais; joguinhos sociais; comportamentos subliminares.
Eu vejo todas essas coisas em excesso, dia após dia. E me falta o que preencha a minha alma. E duvido que essas coisas preencham alguma alma, aliás.
Eu sinto pena pelas pessoas que agem assim; e que de fato acreditam (isso é o pior) estarem fazendo o melhor para si. Pena porque talvez nunca descubram de verdade uma felicidade mais longa.
Eu vejo pressa em ter-se o que não importa, e paciência demais, morosidade demais em se buscar as coisas que importam. Todos querem status, carreira, dinheiro; ninguém quer música, companheirismo, risadas, jantar em família...
Todos perguntam "O que você faz?"; ninguém pergunta "O que você quer fazer?".
Todos perguntam "Onde você mora?"; ninguém pergunta "Aonde você vai?".
Eu vejo conformismo, e isso me indigna...
Valores invertidos. Mundo de pontacabeça.
Eu vejo escravos da vida estudar-trabalhar-casar-ter-filhos; escravos das normas; escravos do que a família-amigos-sociedade vai pensar; escravos do conformismo das coisas-que-são-assim-e-não-vão-mudar.
Eu vejo pessoas desistindo de tudo muito fácil, pelas mais esfarrapadas desculpas: desistindo dos sonhos, desistindo de uma paixão, desistindo de uma aventura, desistindo de um amor. Mentem à si mesmas.
Eu vejo pessoas desacreditando que a bondade existe em maior oferta no coração das pessoas do que existem a sacanagem, a malandragem, a maldade, o desrespeito.
Isso me lembra um pouco o fundamento do terrorismo, sobrevivente pelos noticiários da noite ou através das páginas policiais de jornal... Porque embora haja sim sacanagem, malandragem e maldade, tudo isso é muito pequeno, mas causa um impacto muito grande.
As pessas mudam de comportamento porque amplificam uma percepção negativa muito além do que deveriam. As pessoas mudam de comportamento porque passam a sentir medo demais. E todos, aterrorizados, ficam imóveis. Rugido de um tigre: pessoas imóveis! Situação adversa: pessoas imóveis! Terrorismo: pessoas imóveis! Medos, medos, medos: pessoas imóveis dentro de si; pessoas egoístas; pessoas que não se deixam levar. Merda de cérebro que funciona assim.
E eu vejo muitas pessoas com medo: de sofrer, de se entregar, de persistir, de se arriscar... Morrendo sem saber. Vivendo sem sentir. Sentindo até, mas muito pouco; muito menos do que poderiam... E por que? Porque têm medo. Não há como sentir o máximo sem que seja se arriscando ao máximo também.
Mas o medo de sentir-se mal é maior do que o benefício de sentir-se bem, paradoxalmente.
Isso não entra na minha cabeça: como alguém prefere o não-sentir ao sentir-se muito bem, só por existir um risco de sentir-se mal?! Zumbis... Zumbis é que não sentem! Sinto como se tivesse nascido no lugar errado, na época errada.
Que graça tem viver uma vida que um dia acaba - sempre - se for só pra deixar ela passar pela gente?! Sentir-se mal, que seja, não vale mais a pena?! Sentir-se bem, não vale o risco?!
Só a coragem enfrenta o medo. Só a fé - que é acreditar por acreditar, sem ter certezas - é capaz de gerar coragem.
Falta fé.
Eu só quero dizer que eu não faço parte dessa merda.
Um contra-argumento seria me perguntar se eu sou feliz. Não sou; e é cada vez mais difícil. Mas eu ainda tenho fé.
E quando eu for, vai ser 100%, não pela metade.
A minha fé é que haja mais alguém que também não faça parte dessa merda toda... E se houver, não diga, simplesmente: haja com um pouco mais de caráter, com uma pitada a mais de coragem. Terás assim ajudado o mundo a viver um pouco melhor. E terás me ajudado também.
-- João Otero - 14-mai-10 --
04 junho 2009
texto: A vida às vezes tem uns ciclos..
A vida às vezes tem uns ciclos... Remexendo por acaso meus escritos, achei um texto que serve pra hoje. Ei-lo:
"Hoje eu acordei de um sono mal dormido. Parecia estranho... Não me sentia bem, nem muito mal.
Passei a tarde assim, peito apertado, garganta apertada. Quem sabe é stress... não sei.
Sentimento de vazio.
O que vem depois? ...De hoje; de 1 mês; no fim do ano?
Nada parece ter graça. Nada parece bonito; mas não parece feio também.
Procuro um sentido em qualquer coisa, mas não acho.
A vida se apresenta sem graça pra mim.
Não tenho nenhum objetivo; parece que falta um sentido na minha vida.
Lembro de você o tempo todo. Mas só te enxergo triste em minhas lembranças. Tento parar de pensar.
Fico olhando para os lados tentando achar algo para me ocupar. Mas nada tem graça.
Tenho muita coisa pra fazer, mas não tenho vontade.
Saudade? Cansaço? Um dia ruim? Não sei...
Tomara amanhã eu não esteja assim. 28/jun/2000"
Não tinha título. Não lembro pra quem foi. Mas quero acreditar que tenha sido uma carta minha pra mim mesmo, quase 9 anos depois... Ao menos, veio a calhar.
"Hoje eu acordei de um sono mal dormido. Parecia estranho... Não me sentia bem, nem muito mal.
Passei a tarde assim, peito apertado, garganta apertada. Quem sabe é stress... não sei.
Sentimento de vazio.
O que vem depois? ...De hoje; de 1 mês; no fim do ano?
Nada parece ter graça. Nada parece bonito; mas não parece feio também.
Procuro um sentido em qualquer coisa, mas não acho.
A vida se apresenta sem graça pra mim.
Não tenho nenhum objetivo; parece que falta um sentido na minha vida.
Lembro de você o tempo todo. Mas só te enxergo triste em minhas lembranças. Tento parar de pensar.
Fico olhando para os lados tentando achar algo para me ocupar. Mas nada tem graça.
Tenho muita coisa pra fazer, mas não tenho vontade.
Saudade? Cansaço? Um dia ruim? Não sei...
Tomara amanhã eu não esteja assim. 28/jun/2000"
Não tinha título. Não lembro pra quem foi. Mas quero acreditar que tenha sido uma carta minha pra mim mesmo, quase 9 anos depois... Ao menos, veio a calhar.
14 agosto 2008
Paixão e Amor (piegas, eu sei)
- por João Otero - 14/agosto/08
Enjôo muito facilmente.
Sempre me perguntei "como?" é que pessoas encontram suas almas-gêmeas e que diabos de amor é esse que faz as pessoas ficarem juntas para o resto da vida...
Na ignorância da minha adolescência sempre me pareceu impossível; no máximo, conformista.
Mas na análise das motivações acerca das separações (e que são muitas aqui nos EUA!) e na discussão entre amigos sobre a perecividade (ou não) da paixão, acabei por achar a minha resposta.
Pois que seja a paixão perecível, e que o amor não se sustente sem paixão, como sobrevivem os amores? Ou seriam apenas conveniências e conformismos os sobreviventes?
Mas e a paixão platônica, eterna, romancista, literária - existiria? Que sem graça a vida em não existindo!
Pois minha resposta é simples: o amor não sobrevive sem paixão - fato; mas as paixões não cessam, e sim se transformam.
Há três fases básicas, talvez quatro (ou até mais) nos relacionamentos longevos, todos sustentados por paixão, e que constróem o amor verdadeiro.
Primeiro há a paixão-larva, essa que se canta nas músicas, facilmente reconhecível, arrebatadora; seu propósito é a união inicial, a atração. E ela dura um tempo.
Depois, a paixão-casulo, trabalhosa, cultivante, se preparando para merecedora da borboleta....
E enfim a paixão-borboleta: reconhecedora de todo o esforço, colorida e orgulhosa dele.
A característica intrínseca mais marcante de qualquer paixão pode talvez ser a "descoberta". Cujo antônimo, o "tédio", define também justamente o seu ocaso. E então, se o romance-larva sobreviveu aos demais infortúnios e provações, é hora de trocar de brinquedo. E há no curso natural da vida outras "descobertas" a que se apaixonar: filhos podem ser uma nova motivação comum, um novo jogo, um novo desafio. Vira-se casulo.
Durante esse jogo, mais tarde, construiu-se, sem se perceber, um livro. E a história ganha peso suficiente, e alegrias e obstáculos acumulados o suficiente, para pôr na balança e justificar decisões, manter união, fazer valer a pena. Está-se borboleta.
E quem sabe ainda vêm os netos... (E sei lá eu o que acontece com as borboletas...)
A paixão nunca deixa de existir. Muda de cara. Mas está sempre lá, prestando suporte ao amor.
...Mas e eu, que enjôo muito facilmente?!
Bem, acho que ainda sou larva.
Se quiserem, me chamem de "verme"... ;)
Ou, a quem se arriscar, convença-me a casulo.
Enjôo muito facilmente.
Sempre me perguntei "como?" é que pessoas encontram suas almas-gêmeas e que diabos de amor é esse que faz as pessoas ficarem juntas para o resto da vida...
Na ignorância da minha adolescência sempre me pareceu impossível; no máximo, conformista.
Mas na análise das motivações acerca das separações (e que são muitas aqui nos EUA!) e na discussão entre amigos sobre a perecividade (ou não) da paixão, acabei por achar a minha resposta.
Pois que seja a paixão perecível, e que o amor não se sustente sem paixão, como sobrevivem os amores? Ou seriam apenas conveniências e conformismos os sobreviventes?
Mas e a paixão platônica, eterna, romancista, literária - existiria? Que sem graça a vida em não existindo!
Pois minha resposta é simples: o amor não sobrevive sem paixão - fato; mas as paixões não cessam, e sim se transformam.
Há três fases básicas, talvez quatro (ou até mais) nos relacionamentos longevos, todos sustentados por paixão, e que constróem o amor verdadeiro.
Primeiro há a paixão-larva, essa que se canta nas músicas, facilmente reconhecível, arrebatadora; seu propósito é a união inicial, a atração. E ela dura um tempo.
Depois, a paixão-casulo, trabalhosa, cultivante, se preparando para merecedora da borboleta....
E enfim a paixão-borboleta: reconhecedora de todo o esforço, colorida e orgulhosa dele.
A característica intrínseca mais marcante de qualquer paixão pode talvez ser a "descoberta". Cujo antônimo, o "tédio", define também justamente o seu ocaso. E então, se o romance-larva sobreviveu aos demais infortúnios e provações, é hora de trocar de brinquedo. E há no curso natural da vida outras "descobertas" a que se apaixonar: filhos podem ser uma nova motivação comum, um novo jogo, um novo desafio. Vira-se casulo.
Durante esse jogo, mais tarde, construiu-se, sem se perceber, um livro. E a história ganha peso suficiente, e alegrias e obstáculos acumulados o suficiente, para pôr na balança e justificar decisões, manter união, fazer valer a pena. Está-se borboleta.
E quem sabe ainda vêm os netos... (E sei lá eu o que acontece com as borboletas...)
A paixão nunca deixa de existir. Muda de cara. Mas está sempre lá, prestando suporte ao amor.
...Mas e eu, que enjôo muito facilmente?!
Bem, acho que ainda sou larva.
Se quiserem, me chamem de "verme"... ;)
Ou, a quem se arriscar, convença-me a casulo.
26 março 2005
Sobre a Arte
Sobre a Arte
Uma definição muito precisa e simples para responder a pergunta “o que é arte?” poderia ser: “a arte é a intenção da beleza”.
Não se está, assim, avaliando-a. Apenas definindo-a.
Isso porque uma mesma “arte” – ou em melhores termos, uma mesma “obra-de-arte” – que é a sua forma de expressão – pode ser avaliada por diferentes paladares, de diferentes apreciadores.
Note-se aqui outro ponto importante: a “arte” é tão só a intenção! Se alguém apenas tentar, por mais que não tenha conseguido, realizar a beleza: isso é arte. Até porque a “beleza” é uma noção subjetiva, e pode variar de um a outro observador.
E mais, a arte não é a “obra”. Essa última constitui-se apenas no meio pela qual a arte – a intenção da beleza – torna-se expressa, aparente, perceptível. No entanto, a arte está apenas na intenção.
E antes que levantem-se críticas quanto a noção de “beleza”, consideremos aqui uma noção ampla em que se trate tão somente de um sinônimo para a “busca pela emoção”, ou "somatização de alguma emoção" – incluindo portanto a "feiura", a "surpresa" e outras tantas emoções.
A “arte” pode aparecer em tudo, com maior ou menor intensidade. Da mesma forma, uma “obra-de-arte” também é composta por arte, mas não apenas dela... Uma obra-de-arte pode conter outros elementos adicionais à arte. Explica-se:
Pode haver arte numa fórmula matemática, onde esforçadamente o matemático tenha buscado uma solução elegante a um problema – ele intencionalmente buscou beleza na sua solução.
Pode haver arte na obra-de-arte também (aliás, é onde mais se espera encontrá-la!). Mas na obra-de-arte também pode haver filosofia, quando se toca um tema polêmico, por exemplo. Numa obra-de-arte também pode haver ciência e técnica: um prédio arquitetônico pode possuir beleza artística (intencional), mas também possui uma organização funcional, e é projetado técnicamente. A fórmula matemática citada anteriormente também demonstra uma parcela de técnica – afinal, é matemática! ...Apenas que, talvez, a componente técnica na fórmula matemática possa ser muito mais relevante para a obra matemática que a sua componente artística. Da mesma forma que se espera que a componente artística de uma “obra-de-arte” seja muito mais relevante que qualquer outra das suas possíveis componentes.
O importante é notar que qualquer “obra” genérica – artísitica ou não – possui diversas “componentes”, sejam elas componentes técnicas, filosóficas, inovativas, de beleza, etc... e até mesmo artísticas (se a beleza for intencional)!
Nesse contexto, uma “obra-de-arte” é tão só "a" das obras que intenciona uma maior ênfase na componente artística – mas não que se desfaça das suas demais componentes.
Outro ponto de vista a detalhar é no que toca à “intenção”. Há diversas coisas “belas” no mundo, embora nem todas sejam intencionais. Uma flor pode ser bela, mas não é “arte” – ninguém propositadamente a fez, ela surgiu naturalmente. Uma “mancha” pode ser bela, mas não intencional, e sendo obra do acaso, não é arte. Entretanto a mesma “mancha” pode ser não tão bela assim, mas intencionalmente realizada por um artista – e dessa forma, já que houve a intenção, é arte sim, ainda embora a beleza possa não ter sido tão bem alcançada.
A arte é proposital.
Então, qualquer obra genérica possui diversas “componentes”. Inclusive “beleza”. Em maior ou menor grau. No entanto, a beleza por si só não é arte. A arte é a beleza propositadamente almejada. Relembrando, por cuidado: beleza no contexto que aqui se utiliza não significa necessariamente ser “bonito”, pode ser uma “feiura” intencional também, que é válida – desde que a feiura seja intencional, e não obra da incapacidade do artista, ou do acaso; a beleza aqui é a busca da somatização de uma emoção qualquer.
Logo, do conjunto de todas as obras, na qual se incluem as obras naturais e os acasos também, apenas o subconjunto das obras intencionais contém as obras capazes de possuir uma componente “artística”.
Assim sendo, pode-se agora tentar avaliar as “artes” e também as “obras-de-arte” – que são entre si noções muito distintas. Mesmo que a idéia de “avaliação” possua uma subjetividade implícita e fundamental, ainda assim, com as definições claras de “arte” e “obra-de-arte”, é possível aplicá-la.
Como é subjetiva, pode ser que a avaliação não seja aplicada de maneira uniforme e igualitária por todos os observadores, mas pode ser definida e fundamentada – na medida em que, ainda que os avaliadores discordem das “graus”, concordem nos conceitos e métodos de avaliação.
Ao se avaliar exclusivamente a “arte”, o avaliador deve buscar em sua própria subjetividade o quão “bela” a obra lhe parece, além de cuidar para perceber se essa beleza possui sua intenção de ser. Diferentes avaliadores discordarão quanto aos graus de beleza atribuídos. No entanto, arte é tão somente isso: havendo uma intenção de beleza, quão profundamente essa beleza toca o seu apreciador? E quão mais "bela" essa intenção parecer ao observador, tão mais notável e poderosa é essa arte!
Dessa forma um orginal de Michelangelo pode não diferir muito, artisticamente, de uma cópia barata em um pôster. Essas duas “obras” sim (o original e o pôster), diferem – no sentido de que a obra de Michelangelo foi apenas uma só, e possui, senão outros componentes, ao menos os componentes da originalidade, do valor histórico, da exclusividade e da antigüidade – que não existem no pôster. Mas no componente artístico são iguais – afinal um é cópia do outro. Talvez não sejam tão iguais, já que a qualidade do papel pode influir na noção de beleza percebida pelo observador – e nesse sentido é capaz de o pôster ser considerado até mesmo mais belo que o original..! Os componentes de originalidade, valor histórico, exlusividade e outros, são os que atribuem à obra original um maior valor que ao pôster (por exemplo, os pôsters não são nada exclusivos!). Mas atribuem valor diferente à obra, não à arte, já que em ambos os casos a arte é a mesma.
E assim, compreendendo-se esses conceitos, pode-se avaliar a obra-de-arte. Pode haver nas obras-de-arte diversas componentes além da artística: em Guernica, de Picasso, há uma forte componente chocante e filosófica, introspectiva, polêmica (ela fala sobre as atrocidades da guerra!). No entando, é de mesma intensidade bela, para a maioria das pessoas. Um criança que desconhece a história não irá compreender essa componente filosófica – mas irá compreender a beleza! Há arte de qualidade em Picasso. Embora a técnica de Picasso possa ter sido copiada, suas obras possuem a componente de originalidade – que os copiadores, por definição, não possuem. E assim, suas obras possuem um valor histórico maior. Mas não necessariamente pela beleza artística, ainda que na maioria dos casos. Pode muito bem haver copiadores de sua técnica que possuam obras menos valiosas, mas de componente artístico muito maior... Basta que essa obra pareça aos olhos do observador mais bela que as obras de Picasso! E assim, teoricamente, pode-se ter ao mesmo tempo uma obra com menos valor, mas com força artística muito maior que a obra valiosa.
A arte toca a resposta imediata do cérebro, emocional, que julga em sentido binário (bom/ruim). A instrospecção, ainda que possa estar no escopo da obra-de-arte, foge ao escopo da arte em si. A introspecção é racional, filosófica.
E aí se chega ao ponto: na intenção de romper padrões - de chamar a atenção, de chocar - muitas das obras de arte modernas e contemporâneas possuem fortes componentes de inovacionismo e filosofia – mas muito pouco componente de beleza. E menos ainda de componente artístico – que é quando a beleza existente é intencional. Muitas das obras de arte modernas devem sua beleza ao acaso – o que não é uma beleza artística. E muitas das obras-de-arte modernas tem em seu foco uma intenção introspectiva, e não uma intenção emocional.
Tem-se dado pouquíssima ênfase no componente artístico de certas obras, e muito mais ênfase nas demais componentes...
Poderiam citar Pollock, e dizer que seus respingos utilizam o acaso. É verdade. No entando, o "acaso", neste caso, foi utilizado de uma forma proposital, com a intenção de se buscar a beleza – e tão somente ela – e possui portanto um componente artístico muito grande.
A arte pode ser simples. Basta ser bela e intencional. As grandes obras-de-arte são além de tudo algumas vezes complexas, inovadoras, etc (que é o que diferencia as capacidades dos gênios das capacidades das pessoas mais comuns), e são valiosas e exclusivas por esses sentidos. Mas ao se considerar a arte, aprecie-a restritamente. Aprecie a arte, e não a obra. Embora "avalie" a obra, e não a arte.
Para a arte, não importa se é uma cópia, se uma criança ou um artista sem renome a traduziu em obra, ou se não possui um “significado”... Só importa se é "bela", e que foi essa a intenção de alguém.
As obras também são importantes, mas por outros sentidos. A arte é muito mais universal e simples do que as obras.
Em geral, ultimamente temos sofrido uma invasão de “obras-de-arte filosóficas”, mas de componente artísitico muito fraco. Se a obra é “de-arte”, a arte deveria ser o seu componente de maior importância. ...Ou então que se chame de “obra-de-filosofia” – pois os filósofos bem podem trocar sua usual forma de expressão, comumente um livro, por uma escultura ou uma tela (esculturas e telas não são propriedades exclusivas de artistas!).
Nada impede que um artísta tenha um papel social ou que seja também um filósofo. Mas essas são áreas diferentes. Mesmo que queira filosofar, é bom que o artista, quando em seu papel de artista, não se esqueça de fazer arte.
-- João Otero – 26-mar-2005 --
Uma definição muito precisa e simples para responder a pergunta “o que é arte?” poderia ser: “a arte é a intenção da beleza”.
Não se está, assim, avaliando-a. Apenas definindo-a.
Isso porque uma mesma “arte” – ou em melhores termos, uma mesma “obra-de-arte” – que é a sua forma de expressão – pode ser avaliada por diferentes paladares, de diferentes apreciadores.
Note-se aqui outro ponto importante: a “arte” é tão só a intenção! Se alguém apenas tentar, por mais que não tenha conseguido, realizar a beleza: isso é arte. Até porque a “beleza” é uma noção subjetiva, e pode variar de um a outro observador.
E mais, a arte não é a “obra”. Essa última constitui-se apenas no meio pela qual a arte – a intenção da beleza – torna-se expressa, aparente, perceptível. No entanto, a arte está apenas na intenção.
E antes que levantem-se críticas quanto a noção de “beleza”, consideremos aqui uma noção ampla em que se trate tão somente de um sinônimo para a “busca pela emoção”, ou "somatização de alguma emoção" – incluindo portanto a "feiura", a "surpresa" e outras tantas emoções.
A “arte” pode aparecer em tudo, com maior ou menor intensidade. Da mesma forma, uma “obra-de-arte” também é composta por arte, mas não apenas dela... Uma obra-de-arte pode conter outros elementos adicionais à arte. Explica-se:
Pode haver arte numa fórmula matemática, onde esforçadamente o matemático tenha buscado uma solução elegante a um problema – ele intencionalmente buscou beleza na sua solução.
Pode haver arte na obra-de-arte também (aliás, é onde mais se espera encontrá-la!). Mas na obra-de-arte também pode haver filosofia, quando se toca um tema polêmico, por exemplo. Numa obra-de-arte também pode haver ciência e técnica: um prédio arquitetônico pode possuir beleza artística (intencional), mas também possui uma organização funcional, e é projetado técnicamente. A fórmula matemática citada anteriormente também demonstra uma parcela de técnica – afinal, é matemática! ...Apenas que, talvez, a componente técnica na fórmula matemática possa ser muito mais relevante para a obra matemática que a sua componente artística. Da mesma forma que se espera que a componente artística de uma “obra-de-arte” seja muito mais relevante que qualquer outra das suas possíveis componentes.
O importante é notar que qualquer “obra” genérica – artísitica ou não – possui diversas “componentes”, sejam elas componentes técnicas, filosóficas, inovativas, de beleza, etc... e até mesmo artísticas (se a beleza for intencional)!
Nesse contexto, uma “obra-de-arte” é tão só "a" das obras que intenciona uma maior ênfase na componente artística – mas não que se desfaça das suas demais componentes.
Outro ponto de vista a detalhar é no que toca à “intenção”. Há diversas coisas “belas” no mundo, embora nem todas sejam intencionais. Uma flor pode ser bela, mas não é “arte” – ninguém propositadamente a fez, ela surgiu naturalmente. Uma “mancha” pode ser bela, mas não intencional, e sendo obra do acaso, não é arte. Entretanto a mesma “mancha” pode ser não tão bela assim, mas intencionalmente realizada por um artista – e dessa forma, já que houve a intenção, é arte sim, ainda embora a beleza possa não ter sido tão bem alcançada.
A arte é proposital.
Então, qualquer obra genérica possui diversas “componentes”. Inclusive “beleza”. Em maior ou menor grau. No entanto, a beleza por si só não é arte. A arte é a beleza propositadamente almejada. Relembrando, por cuidado: beleza no contexto que aqui se utiliza não significa necessariamente ser “bonito”, pode ser uma “feiura” intencional também, que é válida – desde que a feiura seja intencional, e não obra da incapacidade do artista, ou do acaso; a beleza aqui é a busca da somatização de uma emoção qualquer.
Logo, do conjunto de todas as obras, na qual se incluem as obras naturais e os acasos também, apenas o subconjunto das obras intencionais contém as obras capazes de possuir uma componente “artística”.
Assim sendo, pode-se agora tentar avaliar as “artes” e também as “obras-de-arte” – que são entre si noções muito distintas. Mesmo que a idéia de “avaliação” possua uma subjetividade implícita e fundamental, ainda assim, com as definições claras de “arte” e “obra-de-arte”, é possível aplicá-la.
Como é subjetiva, pode ser que a avaliação não seja aplicada de maneira uniforme e igualitária por todos os observadores, mas pode ser definida e fundamentada – na medida em que, ainda que os avaliadores discordem das “graus”, concordem nos conceitos e métodos de avaliação.
Ao se avaliar exclusivamente a “arte”, o avaliador deve buscar em sua própria subjetividade o quão “bela” a obra lhe parece, além de cuidar para perceber se essa beleza possui sua intenção de ser. Diferentes avaliadores discordarão quanto aos graus de beleza atribuídos. No entanto, arte é tão somente isso: havendo uma intenção de beleza, quão profundamente essa beleza toca o seu apreciador? E quão mais "bela" essa intenção parecer ao observador, tão mais notável e poderosa é essa arte!
Dessa forma um orginal de Michelangelo pode não diferir muito, artisticamente, de uma cópia barata em um pôster. Essas duas “obras” sim (o original e o pôster), diferem – no sentido de que a obra de Michelangelo foi apenas uma só, e possui, senão outros componentes, ao menos os componentes da originalidade, do valor histórico, da exclusividade e da antigüidade – que não existem no pôster. Mas no componente artístico são iguais – afinal um é cópia do outro. Talvez não sejam tão iguais, já que a qualidade do papel pode influir na noção de beleza percebida pelo observador – e nesse sentido é capaz de o pôster ser considerado até mesmo mais belo que o original..! Os componentes de originalidade, valor histórico, exlusividade e outros, são os que atribuem à obra original um maior valor que ao pôster (por exemplo, os pôsters não são nada exclusivos!). Mas atribuem valor diferente à obra, não à arte, já que em ambos os casos a arte é a mesma.
E assim, compreendendo-se esses conceitos, pode-se avaliar a obra-de-arte. Pode haver nas obras-de-arte diversas componentes além da artística: em Guernica, de Picasso, há uma forte componente chocante e filosófica, introspectiva, polêmica (ela fala sobre as atrocidades da guerra!). No entando, é de mesma intensidade bela, para a maioria das pessoas. Um criança que desconhece a história não irá compreender essa componente filosófica – mas irá compreender a beleza! Há arte de qualidade em Picasso. Embora a técnica de Picasso possa ter sido copiada, suas obras possuem a componente de originalidade – que os copiadores, por definição, não possuem. E assim, suas obras possuem um valor histórico maior. Mas não necessariamente pela beleza artística, ainda que na maioria dos casos. Pode muito bem haver copiadores de sua técnica que possuam obras menos valiosas, mas de componente artístico muito maior... Basta que essa obra pareça aos olhos do observador mais bela que as obras de Picasso! E assim, teoricamente, pode-se ter ao mesmo tempo uma obra com menos valor, mas com força artística muito maior que a obra valiosa.
A arte toca a resposta imediata do cérebro, emocional, que julga em sentido binário (bom/ruim). A instrospecção, ainda que possa estar no escopo da obra-de-arte, foge ao escopo da arte em si. A introspecção é racional, filosófica.
E aí se chega ao ponto: na intenção de romper padrões - de chamar a atenção, de chocar - muitas das obras de arte modernas e contemporâneas possuem fortes componentes de inovacionismo e filosofia – mas muito pouco componente de beleza. E menos ainda de componente artístico – que é quando a beleza existente é intencional. Muitas das obras de arte modernas devem sua beleza ao acaso – o que não é uma beleza artística. E muitas das obras-de-arte modernas tem em seu foco uma intenção introspectiva, e não uma intenção emocional.
Tem-se dado pouquíssima ênfase no componente artístico de certas obras, e muito mais ênfase nas demais componentes...
Poderiam citar Pollock, e dizer que seus respingos utilizam o acaso. É verdade. No entando, o "acaso", neste caso, foi utilizado de uma forma proposital, com a intenção de se buscar a beleza – e tão somente ela – e possui portanto um componente artístico muito grande.
A arte pode ser simples. Basta ser bela e intencional. As grandes obras-de-arte são além de tudo algumas vezes complexas, inovadoras, etc (que é o que diferencia as capacidades dos gênios das capacidades das pessoas mais comuns), e são valiosas e exclusivas por esses sentidos. Mas ao se considerar a arte, aprecie-a restritamente. Aprecie a arte, e não a obra. Embora "avalie" a obra, e não a arte.
Para a arte, não importa se é uma cópia, se uma criança ou um artista sem renome a traduziu em obra, ou se não possui um “significado”... Só importa se é "bela", e que foi essa a intenção de alguém.
As obras também são importantes, mas por outros sentidos. A arte é muito mais universal e simples do que as obras.
Em geral, ultimamente temos sofrido uma invasão de “obras-de-arte filosóficas”, mas de componente artísitico muito fraco. Se a obra é “de-arte”, a arte deveria ser o seu componente de maior importância. ...Ou então que se chame de “obra-de-filosofia” – pois os filósofos bem podem trocar sua usual forma de expressão, comumente um livro, por uma escultura ou uma tela (esculturas e telas não são propriedades exclusivas de artistas!).
Nada impede que um artísta tenha um papel social ou que seja também um filósofo. Mas essas são áreas diferentes. Mesmo que queira filosofar, é bom que o artista, quando em seu papel de artista, não se esqueça de fazer arte.
-- João Otero – 26-mar-2005 --
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