03 maio 2014

Folhas - Parte 3





O olhar gripado. Contraponto ao influxo de ar gelado que adentrava as narinas. Ao agrado gelado do vento cortante no rosto. Agrado porque se percebia vivo. Percorria suas veias todo aquele frio como se fosse vida, como se fosse ânimo. Os raios de sol, anúncios de boa sorte, promessas de um bom dia. E o tempo não se expandia mais além. Ficava ali, confinado entre o branco amanhecer e amarelando-se até o pôr-do-sol alaranjado.
Gripado o olhar porque quase gotejava uma lágrima. Avermelhava um pouquinho o contorno dos olhos. Quase soluçava, meio febril. Quase doente. Mas febril de uma doença boa. Febril da paixão que estufa o peito ao ver a mochila dela guardando lugar na fila ali no pátio do colégio - e bem ao lado da sua!
Naquele tempo, um dia tinha o tamanho das cartas, e era o tamanho de toda a vida. 
Não lembrava se isso foi antes ou depois das trocas de bilhetes sinceros que cruzavam a sala tensos de mão-em-mão até o desabrochar de um sorriso a apenas confirmar o que todos já sabiam.
Mas pouco importava. Naquele dia, percorreriam lado a lado o caminho do pátio até a sala de aula. E aos 7 anos de idade, isso era o triunfo de um dia.

(continua...)





— João Otero - 3-mai-2014 —