16 abril 2010

Inefável

Eu quero uma revolução, uma guerra,
Uma epidemia
Uma dor de verdade
Uma verdade mais crua
Uma poça de vômito no meio da rua
Um caco encravado na unha
E uma costela partida

Eu quero da esperança a cara triste,
Definhando um sorriso banguela;
E eu com o dedo em riste
Abafando uma saudade

Eu quero um punho em figa
Uma marca da mão estendida na cara
Um pontapé pontiagudo na barriga
Esmagando a realidade
Das verdades que qualquer um diga

Eu quero meu olho cerrado
Os cílios como espinhos encrustrados
Sobre minhas pálpebras ressentidas

E a minha liberdade teria outro gosto
Eu, desapegado de mim mesmo,
Indiferente à minha própria felicidade,
Descuidado de meu próprio rosto
Seria livre, enfim!, para até me ser cruel de mim,
Para até sorver o meu desgosto

E tudo o que me tivessem seria bom
Pois tudo o que eu quisesse, nem ia querer...
Porque de tanto ter, eu não teria nada...
De tanto ser, eu não seria pôrra de nada
Eu não teria pó, nem pena,
Eu não teria pedra,
Eu não teria estrada...

-- João Otero - 16-abr-10 --