25 novembro 2013

A Escala das Coisas

Acumulamos muita coisa.
Do tênis novo, ao porta-retratos, o guarda-chuva, a bicicleta, o carro, a casa, o perfume - e segue a lista... Não pelas coisas em si, mas pelo que nos proporcionam: a atenção dos outros, a boa memória dos momentos com os amigos, a proteção da chuva quando necessário, a diversão, o transporte, o conforto e a segurança, o cheiro bom e um pouco mais de atenção.
Acontece que de tanta coisa, somos mais lentos que um caramujo. Não cabem nossas coisas todas em nossas costas. E tanta coisa assim, no fim, nos limita. Para termos tudo isso, ficamos parados - não podemos carregar. Em suma, nossas coisas não escalam. Ou seja: os benefícios que nossas coisas nos proporcionam, não escalam.
Escalar é quando o efeito ou benefício da coisa aumenta numa proporção maior do que a quantidade de coisas.
Se eu escrevo um texto em formato digital, esse texto escala: eu posso escrever uma única vez e distribuí-lo a um número grande de pessoas. Se eu escrever à mão, numa folha de papel, ele já não escala tão bem. Um tênis não escala. O guarda-chuva escala muito mal até duas pessoas. A bicicleta não escala. O porta-retratos requer um olhar seu para ter valor, e apenas naquele breve momento em que dura o teu olhar... As coisas não escalam, no geral.
Para termos o benefício de nossas coisas, teríamos que tê-las todas conosco, o tempo todo. Mas quantas coisas conseguimos carregar? Comparado com as coisas que temos, muito, muito poucas!
Ao invés de coisas, deveríamos acumular outras coisas: experiências. Experiências escalam, porque estão com você o tempo todo, em qualquer lugar, e você pode acumular mais e mais sem ocupar espaço, e conseguido carregá-las.
A quantidade de bons momentos e memórias de lugares fascinantes. O aprendizado de culinária, de línguas, de lugares, de técnicas, de matemática, de histórias. A memória muscular para desviar de um objeto em sua direção, ou para cair sem se machucar. A inteligência emocional para tratar com as pessoas e consigo mesmo. Saber dançar. Saber tocar uma música. Saber pensar.
Porque no final, você aproveita muito pouco de todas as coisas que tem - quase nada. E só o que te acompanha por toda a vida, em qualquer lugar, na prisão, na cama de hospital e até o leito de morte, são as suas experiências.
Ademais, as coisas produzem alguns efeitos colaterais: ansiedade, preocupação e a insegurança de perdê-las; que nos faz menos propensos a riscos, e por consequência menos propensos a experiências - e isso já seria ruim o bastante. Mas o pior, é que as coisas nos limitam: nos tiram a liberdade. Quem cuidará de suas coisas quando você quiser viajar pelos quatro cantos do mundo?
Quem teve a vida mais rica: o que acumulou coisas, ou o que acumulou experiências? Pois não são as experiências o propósito final das coisas? Ou seja, não temos coisas pelo que elas nos proporcionam, afinal?
Assim como as crenças, nossas coisas nos limitam.
Ok, as coisas são necessárias sim. Dormir ao relento não é legal. Ter que procurar um novo lugar para dormir toda noite não é lá muito tranquilizador. Uma casa facilita. Mas sua necessidade é sempre momentânea. O ideal seria tê-las todas descartáveis; alugáveis. Acumular o benefício das coisas, não as coisas em si.
Sem conclusões ainda. Só comecei a pensar nisso hoje...
Apenas percebi que o benefício das coisas que temos é muito ínfimo se comparado aos parcos momentos em que as usamos. Me parece um desperdício. Tanto de dinheiro, e quanto mais de vida - que na escala das coisas, é muito mais importante!

-- João Otero - 25-nov-2013 --