17 julho 2011

Para lembrar de não ser idiota

Para lembrar de não ser idiota.

A luz é fraca, quase negra, não ilumina. E piscou um pouco até que parou.
Pela fresta da janela eu vejo as folhas de uma árvore balançando ao vento desta noite acinzentada. Garoou o dia inteiro...
De fundo, eu ouço um jazz bem brasileiro na voz dôce de uma negra. Negra como este escuro em que estou. Ouvindo o barulho de água roçando no brasilite.
Não; não é da chuva lá fora. Sou eu, sozinho aqui neste escuro, tentado - bêbado - acertar o mijo no lugar que lhe pertence.
Mijo, sim. Sem vergonha. Por que eu haveria de ter?! Todos mijam... Eu inclusive.
Vergonha, não: há de se guardar o pudor para coisas mais nojentas. Como a burrice, por exemplo. Como a minha burrice...
Que eu tento exorcizar nesse mijo. Que eu tento exorcizar nestas palavras.
Pois no banheiro fedorento de um bar de jazz só se chega depois de algumas cervejas.
No meu caso, ainda somente após confundir a porta da cozinha com porta de banheiro por duas vezes - até entender que, não, não é um mijão eterno preso na portinhola; e sim o cozinheiro. A porta do banheiro é a do outro lado. Mas porra de arquiteto, também!, que pôs a placa do banheiro antes das duas portas.
No meu caso ainda, só depois de muitas cervejas. A ponto de confundir a porta da cozinha com a porta do banheiro duas vezes. Mas acho que já disse isso...
E este jazz, neste bar, é somente a chave dourada para encerrar o meu dia cinzento. Moroso. Chato pra cacete! - se querem mesmo saber.
O dia em que tudo deu errado.
Desde meus times perderem, a mesa do bar quebrar, o pedido ser entregue errado, perder a ex-futura-quase-namorada.
...É, teve essa parte também neste dia.
Teria, por acaso, outro motivo mais nobre para se mijar ao som dum jazz?!
Eu sempre tive uma certa melancolia intrínsica em mim mesmo. E às vezes ela aflora. Se solidão, se pressentimento ou se apenas efeito do Fernando Pessoa a altas horas da madrugada, não sei. Só sei que ela aflora.
E nessas horas, minha cabeça vira um lixo. Junta as peças, conjetura tudo. E invariavelmente conclui que a vida é uma merda.
E em dias como hoje, a vida é realmente essa merda.
Porque não há espaço - parece-me - aos ingênuos, aos sinceros; aos idiotas, em suma, como eu. E por menos ingênuo que eu seja, nessas situações sou um completo idiota.
Porque qual o sonhador que não é idiota? Qual o idealista que não é idiota? Quem, em santa inteligência, acreditaria que as coisas são realmente simples, que tudo é possível, que a distância entre dois amantes separados por mil quilômetros é apenas a largura de um avião, que pelo computador se pode conhecer a pessoa de nossas vidas? Quem em santa inteligência acreditaria que meses de conversa e o som da voz no telefone, e um café ou dois, e umas voltas de carro bastariam para conhecer alguém? Quem em santa inteligente idiotice acredita em juras suspiradas ao pé do ouvido - depois de um beijo?
Nem parece eu! Euzíssimo eu mesmo! Eu, o eu burro - não este, realista. Eu, mais uma vez...
Então bebo. E ouço jazz.
Bebo e ouço jazz porque me seda a burrice.
Porque apesar de não acelerar o tempo, o disfarça.
Serve-me como o remédio - que só tapeia a chaga até que o corpo, por conta, a cure.
Como o remédio, hoje servem-me a cerveja e a cachaça; que se não me cura, pelo menos disfarça a dor que só o tempo cura.
Mijo o que eu puder dessa memória. Mijo lembrando da cara dela.
Mijo com nojo, querendo mijar de mim tudo o que eu me lembro.
Ou talvez não devesse esquecer? Para deixar de ser idiota!
...Ok! Então, eis uma marca de estilete em minha memória.
E que fique aqui neste blog, para todo o sempre.
Amém.

-- João Otero - 17-jul-11 --